quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

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A Astrologia nos 12 poemas de
«Mar Portuguez» (Mensagem), de Fernando Pessoa
Vitorino de Sousa
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Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!
Fernando Pessoa
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INTRODUÇÃO

Robert Bréchon, em Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa (Lisboa: Quetzal, 1996,
pp. 541-542.) diz:

- Mensagem é, como Fausto e o Livro do Desassossego, a obra de quase toda uma vida. O poema mais
antigo é datado de 21 de Julho de 1913 e o mais recente de 26 de Março de 1934. A diferença está em que
todas as outras obras, excepto The Mad Fiddler, que ficou inédito, ficaram por acabar... A Mensagem é o
único livro que Pessoa compôs, terminou, reviu e corrigiu, e finalmente publicou. Este livrinho de algumas
dezenas de páginas é o mais importante e o mais representativo do seu génio singular. Se, de toda a sua
produção multiforme, apenas se pudesse guardar uma única obra, seria com certeza esta, que a posteridade,
cumprindo a profecia do jovem crítico de A Águia em 1912, acabou por reconhecer como um dos dois
cumes da poesia portuguesa, sendo o outro Os Lusíadas... Parece que a ideia de um livro de poemas de inspiração nacional, centrado sobre os heróis da época das Descobertas, lhe terá vindo ao espírito na época
«sidonista», em 1917-1918. É então que escreve a sequência de poemas publicados em revista em 1922 sob
o título de Mar Portuguez, e que vai constituir a parte central do livro... Após um período de seis anos em
que o projecto parece abandonado, escreve, entre Setembro e Dezembro de 1928, uma nova sequência de
poemas que, na sua maioria, serão integrados na primeira parte, e alguns na terceira e última. Ainda escreve
alguns desses poemas entre 1929 e 1933. É provável que, durante todos esses anos, o projecto tenha
amadurecido no seu espírito e que se tenha pouco a pouco afirmado o seu carácter original, que é o de unir
numa mesma inspiração a exaltação do sentimento nacional, os mitos do Sebastianismo e do Quinto Império,
o espírito da gnose e da tradição iniciática, em suma, a totalidade do que constitui a «visão Rosa-Cruz».
À primeira vista, é óbvio que, neste conjunto de 12 poemas, Fernando Pessoa abordou a epopeia dos
Descobrimentos Portugueses através de algumas das suas figuras mais proeminentes, quer reais, quer simbólicas, tais como o Infante D. Henrique, Vasco da Gama, Fernão de Magalhães, Bartolomeu Dias, o Mostrengo, etc. No entanto, como se deduz das palavras de Robert Bréchon, algo se esconde em níveis mais
profundos. Na verdade, existe um nível de leitura astr ológico que se mistura, naturalmente, com um
«sumo» espiritual. É este biógrafo do poeta que reconhece:
- ... para melhor salientar que a epopeia da salvação nacional é, em sentido figurado, a aventura da salvação
da alma pessoal, este livro épico e mítico é antes de mais espiritualista e místico.
Porém, e embora se trate de 12 poemas magistrais (principalmente quando encarados pela sua vertente
espiritual), neles não se encontra qualquer referência explícita ao Ocultismo e, muito menos, à Astrologia.
Daqui decorre que o leitor com conhecimentos sobre estas matérias, mas não alertado para o arcaboiço que
Fernando Pessoa sobre elas tinha, dificilmente seria capaz de descobrir tal artifício e, assim, usufruir desse
nível de leitura. Em relação aos leitores sem informação sobre a linguagem da simbologia astrológica, atrevemo-
nos a dizer que essa abordagem se torna, pura e simplesmente, impossível.
Porém, o facto de serem 12 poemas (tantos quantos os signos zodiacais) deveria ser suficiente para nos
alertar! O número 12, porém, está cheio de outras simbologias.
Por conseguinte, tomar conhecimento do que ultrapassa o nível de leitura e da análise meramente poética,
enriquece sobremaneira a fruição deste Mar Portuguez.
É parte desse trabalho que nos propomos ensaiar aqui, por forma a ajudar o leitor a adquirir uma visão
mais vasta e profunda da genial capacidade criativa de Fernando Pessoa.
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Acrescente-se que não é possível compreender e abarcar toda a significação e profundidade do monumento
literário deste poeta sem levar em linha de conta os elevados conhecimentos astrológicos que detinha.
Na verdade, Fernando Pessoa foi astrólogo e, para essa actividade, criou até um heterónimo (Raphael
Baldaya), o qual se propunha escrever um tratado de Astrologia. Por isso, parte considerável do seu espólio
é de natureza astrológica (horóscopos, anotações, ensaios, textos dispersos, etc.). Eis aqui um bom exemplo:
- O horóscopo não relata o que há antes do nascimento, nem o que há depois da morte (...) A vida é essencialmente
acção, e o que o horóscopo indica é a acção que há na vida do nativo. Três coisas não há que
buscar no horóscopo: (1) as qualidades fundamentais do indivíduo, quanto ao seu grau íntimo; (2) o ponto
de partida social da sua vida; (3) o que resulta dele, e da vida que teve, depois da morte. Tudo, menos isto,
o horóscopo inclui e define. Não pasmemos de que seja apagado e fruste o horóscopo de tal grande artista
que foi célebre só depois de morto: o horóscopo indicará qualidades artísticas (em grau que não podemos
medir) e indicará obscuridade. Tudo será indicado em abstracto; só uma vidência nossa o poderá
concretizar. (Tal é o sentido do primeiro apótema de Ptolomeu.) Exemplificando melhor: um horóscopo de
poeta dramático poderá ser determinado como tal e poderá, adentro desse horóscopo, ser indicada uma
certa fama e um certo proveito. À parte isso, o horóscopo pode ser o de Shakespeare ou o de um poeta
dramático de inferior nota, que, na época em que viveu, tenha tido uma vida, quanto a fama e proveito,
idêntica ou semelhante à de Shakespeare. O horóscopo revela, pouco mais ou menos, o que o mundo vê.
Nunca devemos esquecer este pormenor importantíssimo. Sem ele nada faremos da astrologia.
Além disto, os heterónimos Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis tiveram o seu mapa natal
levantado pelo próprio Fernando Pessoa, o qual não se coibiu de lhes analisar as personalidades e tecer considerações
astrológicas, tendo por base os mapas de nascimento que ele próprio calculara. Veja-se o que ele
diz numa carta endereçada a Adolfo Casais Monteiro, no dia 13 de Janeiro de 1935:
- Álvaro de Campos nasceu em Tavira no dia 15 de Outubro de 1890 (às 1.30 da tarde, diz-me Ferreira
Gomes; e é verdade, pois, feito o horóscopo para essa hora, está certo).
Portanto, e para dar seguimento a esta pretensão, o leitor encontrará nas páginas seguintes a transcrição
dos 12 poemas de Mar Portuguez e a sua respectiva interpretação astrológica.
Por ser da mais elementar justiça, acrescente-se que a minha descoberta pessoal deste «tesouro» se
deve ao astrólogo português Paulo Cardoso, de quem ouvi uma conferência sobre o assunto, em 1989.
Algumas das considerações que se seguem remontam aos apontamentos recolhidos durante esse evento;
outras, surgiram da intuição ou tornaram-se surpreendentemente evidentes durante o acto de escrever
aquilo que vai ler a seguir.
Uma última nota para dizer o seguinte: caso não esteja familiarizado com a linguagem astrológica,
encontrará, no final do livro, informação breve os quatro elementos e os doze signos do Zodíaco.
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ALGUMAS SINCRONICIDADES
Fernando Pessoa, autor destes poemas e Vitorino de Sousa, que os interpretou astrologicamente, nasceram,
ambos, sobre o signo de Gémeos.
Considerando que este signo zodiacal é representado pelo mito dos dois irmãos gémeos Castor e Pólux,
lê-se o seguinte no livro A Mitologia, de Edith Hamilton.
(…) Havia dois irmãos muito célebres e populares, CASTOR e PÓLUX (Polideuces), que, segundo
consta na maior parte das histórias, viviam metade do tempo na Terra e a outra metade no Céu.
Eram filhos de Leda, e são considerados habitualmente deuses protectores dos marinheiros.
Portanto, quem melhor do que estes dois gémeos poderiam “proteger” este trabalho sobre os grandes
marinheiros portugueses, elaborado pelo geminiano Fernando Pessoa e comentado pelo geminiano Vitorino
de Sousa?
E já que o arquétipo de Gémeos, além de ser duplo, também é o patrono da comunicação, ponhamos
Pólux a conversar com o leitor acerca dos poemas de Mar Portuguez e as suas interpretações astrológicas.
Portanto, aí tem o...
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Poema I correspondente ao 1º signo, Carneiro
I - O Infante
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma.
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te portuguez.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Como facilmente reconhecerás, o título deste primeiro poema refere-se, evidentemente, ao infante D.
Henrique (1394 – 1460), o grande obreiro dos Descobrimentos Portugueses. Ele foi o pioneiro dessa aventura,
o homem destemido e indomável que se propôs iniciar a concretização desse projecto que abriu «novos
mundos ao mundo».
Infante significa «filho do rei» (D. João I). Vamos encontrar este mesmo termo (Filho) na trilogia cristã,
posicionado entre o Pai e o Espírito Santo; da mesma forma, também este conjunto de 12 poemas está posicionado,
no livro Mensagem, entre a primeira parte (Brasão) e a terceira (O Encoberto).
É interessante verificar que, se puseres em paralelo a trilogia cristã e os três capítulos de Mensagem,
encontras as seguintes correspondências:
1 - Deus - «Brasão»
2 - Filho - «Mar Portuguez»
3 - Espírito Santo - «O Encoberto»
Apesar das acepções de «Brasão» e de «O Encoberto» utilizadas no contexto do livro, é caso para perguntar:
1 - O que é Deus senão um «Brasão», um símbolo da verdadeira Nobreza?
2 - O que é «Mar Portuguez» senão o «filho» dilecto dos feitos da nação portuguesa?
3 - E o Espírito Santo? Enquanto veículo do Amor de Cristo, não tem andado «encoberto»?
Esta noção de trilogia está bem patente, também, no facto de este poema ter três quadras.
Finalmente, logo no primeiro verso
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce
Fernando Pessoa refere as três condições que intervêm na Manifestação, o último estágio da progressiva
densificação da energia.
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Igualmente, quando ouves referir Deus, também três ideias, pelo menos, devem ocorrer imediatamente
na tua mente:
1 - Criação
2 - Compaixão
3 - Fogo Criador
Quanto à primeira ideia - Criação - decerto te ocorrerá fazer, outra vez, aquela velhíssima pergunta que
todos os humanos, desde sempre, não se cansam de repetir: Quem é o Autor da Criação?
Cada vez que, ao longo dos séculos, reformulaste esta questão, pretendias, evidentemente, recolher
uma resposta. Mas quando, nos primórdios do Tempo, colocaste esta questão pela primeira vez, recebeste
como resposta o Silêncio Absoluto. Na altura, deves ter interpretado que ninguém te respondeu. Talvez por
isso, tens vindo a repetir a mesma pergunta milhões de vezes.
Eu, Pólux, desde as encostas do Olimpo, tenho notado o empenho com que te entregas a essa inquisição,
tal como tenho testemunhado o desespero que tens vindo a acumular porque a resposta teima em não
surgir. Esqueces-te, todavia, que aquele Silêncio Absoluto que recebeste do Alto como resposta significou
então, e significa agora, que nada se pode dizer acerca do Criador!
Só um mortal, do alto da sua magnífica ignorância, poderá imitir uma definição sobre o Autor a Criação.
Porém, tal coisa só prova que não pode estar a falar Dele; quanto muito, estará a falar da sua concepção
pessoal acerca do assunto. Ora, como praticamente nenhum terráqueo abdicou de ter a sua opinião sobre a
matéria, acontece que os registos akáshicos registam todas concepções pessoais concebidas por todas as
criaturas humanas, ao longo de todas as suas encarnações neste planeta, deste o Primeiro Dia!
Consegues imaginar quantas são?
Por conseguinte, todas essas concepções pessoais não definem, nem podem definir a Divindade; limitam-
se a criar a confusão. E como a confusão é, evidentemente, o resultado da ausência de Luz – que é clareza
– resulta que todo este processo se transforma num tremendo equívoco, num círculo vicioso, numa
impossibilidade, enfim, num entretenimento intelectual ao qual te entregas dedicadamente.
Portanto, se me permites, poderias colocar a questão doutra maneira: como é que o corpo mental concreto
(função do terceiro chacra, plexo solar) poderá ser capaz de definir «Deus» (função do sétimo chakra,
coronal), se até mesmo nas decisões mais comezinhas ele é incapaz de escolher no sentido de servir a alma?
Se o meu irmão Castor estivesse aqui, em vez de estar a aborrecer mãe com perguntas de principiante,
colocaria a questão desta forma: quando é que já se viu um carrinho utilitário de 1000 cm3 deslocar-se a 400
km/h?
Portanto, o estratagema das definições pessoais não funciona porque «Deus» não se define; contactase
no silêncio da mente aquietada, na paz da meditação ou na quietude do retiro. Uma vez contactada, deixa
de haver necessidade de falar dessa Essência e, portanto, de formular questões sobre a sua natureza.
Aquilo a que chamas «Deus» é sinónimo de Sabedoria e, por isso, não pode ser encontrado com a mente
excitada pelo impulso de fazer perguntas.
É por isso que, quem sabe, não pergunta, limita-se a saber e a estender essa Sabedoria!
Mais: quem vive significativamente não concebe Sabedoria sem Amor.
É por isso que, quem ama não faz perguntas; limita-se a amar e a estender esse Amor!
Assim sendo - e quebrando o Silêncio Absoluto que tu não consegues ouvir - dir-te-ei que o verdadeiro
Deus vivente é um Ser não-dualista, que não acolhe quaisquer tipos de opostos. O Criador da vida é um Ser
de puro Amor, a Fonte e a Primeira Causa de uma realidade e totalidade não-física, o perfeito Um que abarca
tudo, e fora de Quem não há literalmente nada.
Meu irmão, a natureza da nossa Fonte não pode ser descrita. E tu não poderás entendê-la enquanto o
teu eu-espírito, através da alma, estiver metido nesse escafandro de carne e osso.
Como te disse acima, não poderás defini-la, mas poderás senti-la.
Jesus, em Um Curso em Milagres, diz o seguinte:
A unidade é simplesmente a ideia de que Deus é. E, no Seu Ser, abarca todas as coisas.
Nenhuma mente contém nada que não seja Ele. Quando dizemos «Deus é», de imediato guardamos
silêncio, pois neste conhecimento as palavras carecem de sentido. Não há lábios que as
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possam pronunciar, nem nenhuma parte da mente é suficientemente diferente do resto para
sentir que, agora, é consciente de algo que não seja ela mesma. Uniu-se à sua Fonte e, tal
como Ela, simplesmente é. Não podemos falar, escrever, nem sequer pensar nisto em absoluto.
Quanto à segunda ideia suscitada pelo conceito de Deus - Compaixão – convém esclarecer o que é o
verdadeiro sentimento da compaixão: sentir compaixão é ser capaz de reconhecer o Espírito por detrás de
todos os corpos/ego, quer eles sejam bonitos ou feios, de raça branca ou negra amarela, homens ou mulheres,
etc. Por outras palavras, ver o verdadeiro Ser por detrás das aparências físicas, das particularidades de
carácter, dos atributos da personalidade, da constituição do ego, etc. Ao contrário do que julgas, compaixão
não é «ter pena de...».
Como disse Mestre Morya:
A falta de preparo não é transgressão.
Ama os infelizes, tem compaixão pelos humildes.
Ter compaixão pelos humildes não é ter pena dos pobrezinhos, coitadinhos; ter compaixão pelos humildes
é, antes do mais, reconhecê-los como iguais a ti, e só depois contribuir para se acabe o seu sofrimento
ajudando-os a reconhecer que não são uns miseráveis mas sim Luz pura.
Decerto concordarás que isto é bem diferente de te limitares a levar-lhes uma sopinha. A sopinha e a
bucha podem ser - e são! – úteis, evidentemente. Mas, enquanto acto isolado, apenas contribuem para perpetuar
a fome.
Todavia, para que sejas capaz de considerar uma criatura humana como um ser igual a ti, feita da
mesma coisa e oriunda no mesmo Grande Ponto, é necessário que não te vejas a ti mesmo como um ego.
Se assim for, forçosamente verás os humildes como egos que falharam na sua afirmação social, uns sempréstimo
que vivem soterrados pela frustração de não terem conseguido triunfar mundo! É assim que verás
os outros, humildes ou não, se cometeres o erro de julgar que a tua própria função é triunfar no mundo! Por
esta via, tomar-te-ás como modelo de avaliação dos outros e não poderás evitar de os julgar. Ora a compaixão
é o inverso do julgamento.
Quanto à terceira ideia suscitada pelo conceito de Deus - Fogo Criador - verificamos que o Fogo é o
Elemento de Carneiro, o 1º signo do Zodíaco, ao qual este primeiro poema está, naturalmente, associado. O
segundo verso da primeira estrofe
Deus quis que a terra fosse toda uma,
expressa perfeitamente esta ideia de Deus como fonte da Vontade (quis) que está ligada ao Fogo Criador.
Por seu turno, o verso seguinte
Que o mar unisse, já não separasse.
ao referir o mar, orienta-se para o arquétipo de Peixes (12) - o signo anterior a Carneiro (1) - o qual é regido
por Neptuno, o Senhor dos Oceanos e dos Mares.
Esta menção ao encerramento do ciclo zodiacal que o transforma numa unidade, é uma referência clara à
ideia de que Fogo Criador de Deus bafeja todas as coisas.
A propósito da sequência dos signos, convém dizer o seguinte: os 12 arquétipos zodiacais não são compartimentos
estanques, alinhados numa sequência aleatória; cada um deles, apesar da sua identidade própria,
é, simultaneamente, um modelo bem definido e uma resposta ao signo anterior. Tanto assim que a sua
polaridade e género se vão alternando.
Não penses que é por eu estar no Olimpo que não reparo na alternância Yin/Yang (o fundamento do
Tao - tudo o que existe), actuando nos 12 signos zodiacais. Assim é.
Se o ADN é o código da vida no plano físico, o Zodíaco é o código da vida no plano simbólico.
Por conseguinte, Peixes, o último signo do Zodíaco (12, par, Yin), une e integra em si todos os antecedentes.
Com esta síntese, encerra um ciclo e abre outro... tal como a audácia do Infante D. Henrique em
aventurar-se (Carneiro) nos Descobrimentos dos Mares (Peixes) fechou um ciclo da História de Portugal -
caracterizado pela fundação da nacionalidade e subsequente conquista e estabelecimento das fronteiras terrestres
- e abriu outro. Este novo ciclo iria cumprir-se através, já não da criação de uma nacionalidade, mas
sim da universalidade; já não através da conquista de fronteiras terrestres, mas sim de «fronteiras» marítimas...
se é que podem pôr-se fronteiras numa coisa que é global por natureza!
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É curioso notar que a última palavra da primeira quadra
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma.
remete para o mito de Afrodite, a que nasceu da espuma do mar.
Afrodite é uma deusa do Panteão Grego a quem os romanos chamavam Vénus. Ora, Vénus é o regente
de Balança (7, impar, Yang), o signo oposto a Carneiro, cujo regente é Marte.
Esta oposição zodiacal entre Marte e Vénus representa um desafio de complementaridade, já que, por
aqui, estas duas entidades já foram casadas. Lembro-me perfeitamente que a coisa acabou mal porque o
meu amigo Hefesto... bom, mas deixemos isso que não vem ao caso.
Este teste ao amor incondicional é bem evidente no contraste existente entre estes dois pólos da oposição
complementar:
MARTE VÉNUS
Coragem Passividade
Agressividade Tolerância
Antipatia Simpatia
Brusquidão Diplomacia
Masculinidade Feminilidade
Impaciência Calma
Ao escrever O Infante, Fernando Pessoa, que era um conhecedor profundo da linguagem astrológica,
considerou a forma mais salutar de interpretar o Zodíaco: avaliou cada signo/regente como complementar
do seu oposto.
Se não repara: em tudo o que tem um início (Carneiro), ou representa um início (O Infante), está implícita
uma promessa de expansão e de esperança que assentam no entusiasmo, na coragem e na firmeza (Carneiro).
Esta ideia de movimento para a frente em direcção a algo que o complementa está bem expressa nos
primeiros versos da segunda quadra:
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Se notares, algo isolado - a orla branca - saiu em busca do complemento. Fê-lo correndo até ao fim do
mundo. E, como os esforços são sempre recompensados
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Ou seja, uma coisa encontrou a outra!
Falta dizer que este desafio do «um» encontrar o «dois» é o propósito profundo do eixo que liga o arquétipo
de Carneiro/um/sozinho ao arquétipo de Balança/dois/acompanhado.
Estes dois últimos versos da segunda estrofe reforçam a evidência de que Fernando Pessoa se serviu do
código da Astrologia para poetar sobre a saga dos descobridores portugueses.
Aqui, o termo terra inteira haverá de ser entendido, não como a larga paisagem que se apresentava
perante o olhar dos navegantes, mas sim como a «visão» que se abria perante eles, uma outra dimensão,
superior, não terrena, cheia de possibilidades. Ora, graficamente, o Zodíaco tem uma forma redonda e
representa, simbolicamente, a interligação do está «em cima» com o que está «em baixo», isto é, o relacionamento
da vida nesta dimensão com a dimensão superior, não terrena... cheia de possibilidades!
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Além disto, o azul é cor associada ao 5º Raio, aquele que:
· Promove a aproximação das formas à Ideia divina que lhes deu origem;
· Estimula o desenvolvimento do mundo concreto e age por intermédio do impulso mental e do intelecto;
· Gera a ciência da alma, a psicologia e a educação.
Se leres estes itens considerando o enorme impacto que «a missão divina» dos Descobrimentos Marítimos
portugueses provocou no mundo do século XV, decerto perceberás por que Fernando Pessoa utiliza a
expressão azul profundo neste contexto.
Estou em crer que ele não se referia à cor do mar. Profundo como era, o poeta decerto estava a pensar
na primeira alínea das atribuições do 5º Raio!
No entanto, e apesar de tudo, a terceira estrofe diz:
Quem te sagrou criou-te portuguez.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Aguardem, pois, calmamente.
* * *
Para terminar esta análise de O Infante, resta chamar-te a atenção para o seguinte: a palavra que inicia
(Carneiro) o poema é:
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
E a palavra com que termina é:
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Portanto, a primeira palavra - Deus - remete para Aquele que tudo inicia e onde tudo se inicia; a última
palavra - Portugal - remete para um país do último signo, Peixes, aquele onde tudo se acaba no indefinido e
no oculto.
Ora, o teu país ficou na História, precisamente, devido à ousadia (Carneiro, o primeiro) de dar início a
uma nova forma de afrontar a vastidão desconhecida, oculta, dos oceanos (Peixes, o último). Fernando Pessoa
sustenta esta tese denunciando a vertente divina, oculta, dos Descobrimentos.
Não sei se me fiz ente nder.
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Poema II correspondente ao 2º signo, Touro
II - Horizonte
Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre as naus da iniciação.
Linha severa da longínqua costa -
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha.
O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
Os beijos merecidos da Verdade.
O que ressalta imediatamente deste poema é a utilização de termos que referem os elementos típicos da
Natureza primaveril do teu planeta quando está no auge da sua criatividade. Ora, estes termos são, exactamente,
os mesmos que referem o arquétipo Touro. Este signo astrológico, como sabes, é regido por Vénus,
a deusa da Arte, do Amor e da Sedução (por sinal minha amiga, aqui no Olimpo) a qual, naturalmente,
expressa os valores taurinos de beleza e de sensualidade.
Para que isto fique mais claro, gostaria de destacar esses termos e as expressões que, em Horizonte,
«escondem» a presença dominante de Touro/Vénus:
Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre as naus da iniciação.
Linha severa da longínqua costa -
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha.
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O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
Os beijos merecidos da Verdade.
De todas estas referências, típicas de uma primavera que desabrocha (Touro/Vénus - Abril/Maio), a mais
clara e inequívoca está, sem dúvida, no quinto verso da primeira estrofe:
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
Touro é um signo de Terra. Este Elemento diz respeito às vertentes práticas da vida baseadas na experiência
passada (concretização) e à realidade perceptível do presente (evidência). Por ser preservador e conservador,
a Terra está pouco interessada no futuro.
Ora, como se pode verificar, a Terra está bem presente neste poema, quer nos termos característicos da
sua vertente material e física (aves, flor, árvores, praia, fonte, etc.), quer, precisamente, no sentido das
acima citadas concretização (baseada na experiência passada) e evidência (realidade perceptível do presente).
Comecemos pela concretização (baseada na experiência passada): na primeira estrofe, o verbo está no
pretérito perfeito (tempo passado):
Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Este tempo de conjugação pressupõe que, agora, os medos já «não têm» coral e praias e arvoredos.
Logo, a presença do Elemento Terra está em que algo se concretizou no sentido de alterar a definição deles.
Quanto à evidência (realidade perceptível do presente): na segunda estrofe, os verbos estão no presente
do indicativo (tempo presente):
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha.
Portanto, não se pode negar a presença do Elemento Terra em Horizonte: como vimos, a concretização
remete para uma realização prática ocorrida, ou baseada, no passado, ao passo que a evidência refere uma
objectividade que pode ser provada através da realidade perceptível no presente.
Outra referência clara ao Elemento Terra é o próprio título do poema: Horizonte.
Um horizonte pode ser, evidentemente, apenas uma linha que, aparentemente, assinala o fim do planeta.
Porém, para os navegantes portugueses que procuravam novas terras, decerto se refere ao avistamento e
posterior alcance de algo sólido, alguma coisa de concreto que se visse, sentisse, tocasse e cheirasse (Terra),
alguma coisa que se pudesse possuir e preservar (Touro), alguma coisa que se pudesse fruir, amar e
contemplar (Vénus).
Este poema também denota uma presença bem vincada do signo oposto.
Neste caso é Escorpião - um arquétipo de mistério, profundidade, noite, breu, transcendência, morte,
regeneração, inconsciente profundo, etc.
A terminologia típica deste arquétipo oposto a Touro pode ser encontrada em:
Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
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Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre as naus da iniciação.
Linha severa da longínqua costa -
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha.
O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
Os beijos merecidos da Verdade.
Perante isto, será lícito acreditar que Fernando Pessoa decidiu deixar de lado a profundidade dos seus
conhecimentos esotéricos, optou por dispensar a maturidade da sua alma e preferiu limitar-se a utilizar, nos
seus poemas, termos que constam de qualquer compêndio básico de Astrologia? Fará algum sentido considerar
a magistral composição deste poema como uma simples superficialidade inspirada? Será por acaso
que Touro e Escorpião estão aqui codificados? Será coincidência? E como comentar o que se passa nos outros
poemas?
Fernando Pessoa tinha Ascendente em Escorpião. Esse gosto pela investigação, pelo contacto com o
oculto e com o enigma forçou-o, evidentemente, a ir bem mais fundo. Toda a sua obra assegura isso mesmo.
É um facto indesmentível que, por detrás da exaltação da bravura da viagem física, externa, dos navegadores
(que serve de «pretexto» aos 12 poemas), está a demanda do Gral - a viagem espiritual, interna, o
trabalho alquímico, as iniciações, o autoconhecimento, enfim o empenho na tarefa de, progressivamente, ir
substituindo a consciência terrena e mundana, por uma outra, divina e transpessoal.
É assim que, em Horizonte, encontrarás expressões e ideias que apontam claramente para os interesses
espirituais do poeta. Os dois últimos versos da primeira estrofe são bem explícitos:
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre as naus da iniciação.
Repara que Longe está escrito com letra maiúscula; não refere, portanto, a distância física que separava
os navegadores das terras onde pretendiam chegar; é outro tipo de Longe.
Além disto, as naus deixam de ser os veículos da descoberta marítima para passarem a ser os veículos da
iniciação.
Outro exemplo de expressões e ideias que apontam claramente no sentido da viagem espiritual, do trabalho
alquímico, da iniciação e do autoconhecimento, é toda a terceira estrofe, especialmente o seu início:
O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
Os beijos merecidos da Verdade.
O que poderão ser estas formas invisíveis da distância imprecisa senão aquelas que o desdobramento da
energia do teu ser multidimensional podem assumir na distância imprecisa dos vários planos das distintas
dimensões dos diversos Universos?
Qual poderá ser esta Verdade maiúscula senão a da nossa origem cósmica e divina?
Que «lábios» darão estes beijos merecidos da Verdade, senão os do nosso Pai?
Quem os receberá senão a tua alma resgatada?
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Se caíres na ingenuidade de pensar que vais sentir esses beijos na pele da tua fronte, suada pelas agruras
do Caminho, desilude-te porque, nessa dimensão, não precisas de um corpo físico para nada!
Em termos de expansão da consciência, o objectivo a atingir é, evidentemente, que consigas realizar o
sonho de ver, de seres capaz de reconhecer as formas invisíveis da distância imprecisa que estão escondidas
no futuro por desvendar. Por outras palavras: tu não acabas no ponto onde termina a consciência que tens
acerca de ti mesmo.
Muito provavelmente, tens-te como um corpo que alberga uma alma; a verdade, porém, é que o teu euespírito,
ao decidir encarnar outra vez, serviu-se da alma para poder expressar-se nesta terceira dimensão
enquanto um eu-ego – tu, que respondes pelo nome que os teus pais te deram!
Enfim, trata-se do célebre mistério da vida, como costumas dizer. E aqui temos imbróglio que tu,
enquanto eu-ego tanto gosta de alimentar: deixaste-te alienar a tal ponto que já não podes passar sem
representar o papel do tonto perdido dentro do labirinto. Queixas-te de que não consegues encontrar a saída...
mas, de facto, não queres sair dele. A razão de ser da tua vida pequenina é investires incessantemente
na descoberta da saída do labirinto, enquanto te recusas a reconhecer que não se sai de um labirinto pelo
sítio por onde se entrou, mas sim por cima; sai-se perdendo «peso» e voando.
Meu irmão: se não levantares os olhos jamais encontrarás a verdadeira saída!
Deixa, porém, de haver mistério quando reconheceres que o teu aparelho mental terreno - isso que pensa,
faz análises intelectuais e acredita que tem sempre razão - é incapaz de processar a informação que
gerará o conhecimento da Verdade. Realmente, tão diminuto aparelho é impotente para descodificar como
são as coisas fora do plano desta terceira dimensão onde ele próprio se debate. É completamente desnecessário
pedires a um «órgão» concebido para pensar, fazer análises intelectuais e gerar a sensação de
«razão» que te esclareça acerca de um tema que não pode ser «pensado» pelo corpo mental, mas tem de
ser «sentido» com o coração!
Sem entenderes isto, permaneces, é claro, dentro do mistério.
Assim, esta dramática situação impele milhões de pessoas a peregrinar erraticamente em busca de orientação,
do sentido e do propósito da existência, o que faz com que o momento de recebimento dos tais beijos
merecidos da Verdade vá sendo sistematicamente adiado.
Dito por outras palavras, a pessoa que, há milhares de anos, se entretém com o tão propalado mistério
do sentido da vida, há milhares de anos que orienta a sua pesquisa nas seguintes direcções:
· O seu «local» de origem. (De onde venho?);
· A consciencialização do grau de evolução que possui (Quem sou eu?);
· A busca do «ponto» de chegada (Para onde vou?).
Esquece-se, porém, (ou recusa lembrar-se!) que:
· Conhece perfeitamente o «local» de origem do seu ser, de onde ele vem: vem de outra dimensão,
onde deixou a sua matriz perfeita, aquilo que existe para o ajudar a orientar-se neste mundo das
formas, desde que solicite e aceite, incondicionalmente, essa ajuda. Mas, para que isto seja possível,
é necessário que o eu-ego se decida a dispensar as contaminadas energias da arrogância e do orgulho;
· Conhece perfeitamente o grau de evolução que possui, sabe quem é: é um ser multidimensional, um
núcleo de consciência superior, incomensurável. É um Filho da Luz, uma Mónada que, junto com
muitas outras, resolveu experimentar a densificação a sua própria energia para ver como a criatividade
da Fonte se manifestaria nesses planos densos. Esta decisão, porém, implicou na descida um
espesso véu sobre o conhecimento da Essência; a consequência foi essa espécie de «amnésia cósmica
» que o aflige;
· Conhece perfeitamente o «ponto» de chegada, sabe para onde irá: irá para outra dimensão, para
aquela de onde saiu, «temporariamente», para fazer esta experiência. Tal como o «filho pródigo»,
voltará para «Casa do Pai», esse estado de paz que lhe pertence por direito e de onde jamais poderá
ser «expulso», esse estado de paz de onde jamais foi «expulso».
Tal como este ser, tu acreditas que foste expulso da «Casa do Pai». Acreditas nisto porque há milhares
de anos que ouves dizer que és uma criatura indigna da Luz e, por isso, foi expulsa da «Casa do Pai». Ouves
e acreditas no que ouves. Então, dado que acreditas ter sido expulso da «Casa do Pai» porque vários tipos
de sacerdotes to foram garantindo ao longo dos milénios e continuam a garantir, tu vives desgraçadamente
como se, de facto, tivesses sido expulso da «Casa do Pai». Todavia, sentes-te separado do «Paraíso» porque
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acreditas que foste expulso de lá. Então, olhas para baixo, reparas na parra que te tapa os genitais e começas
a sentir pena de Adão, coitado dele!
Mas, ó Humano, aprende que a energia, é neutra. Eu, Pólux, to asseguro!
A energia, por si só, não gera coisa «boas» e/ou coisas «más»; na realidade, a energia segue a direcção
do pensamento: se acreditas que as coisas são «assim e assado», o Universo moldar-se-á de forma que o
teu «assim e assado» seja uma realidade.
Portanto, o célebre mistério da Vida não tem mistério nenhum!
Através de tudo isto - e do resto que a tua mente humana não tem como explicar - Fernando Pessoa
convida o leitor a reflectir acerca da sua condição de estar encarnado neste mundo... embora não seja deste
mundo.
Mas, ó Humano, tu não és desse mundo; não lhe pertences! Eu, Pólux, to asseguro!
Estás aí, na Terra, preso nessa densíssima dimensão, para reconhecer o que está por detrás do véu que
tu próprio ajudaste a tecer e permitiste que, no momento do nascimento físico, descesse sobre o Conhecimento
Essencial da tua verdadeira Origem. Tu estás aí para, como diz o poeta:
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
Os beijos merecidos da Verdade.
Ou seja, tens de activar aquele instinto do salmão que faz com que, depois de muitos anos no mar, procure
o rio onde nasceu. Portanto, decide sair desse teu «mar» assustador; activa o instinto de retorno à
Fonte e demanda o Rio de Luz onde nasceste, procura o Rio de Luz que, afinal, és tu.
E porque és tu, não podes deixar de retornar para esse Rio. Nada mais existe para além de ti, porque tu
és Tudo.
Quando estiveres em ti, quando recuperares a condição de Tudo, receberás os tais beijos merecidos da
Verdade e, finalmente, perceberás que beijas a ti mesmo!
* * *
Repetindo o jogo de relacionar as primeiras e as últimas palavras do poema, podes ver em
Ó mar anterior a nós, teus medos
uma invocação ao mar ancestral e primordial.
Trata-se dessa energia criadora do Pai que nos criou a todos – a mim também, sabes?
Trata-se desse Oceano da Totalidade onde flutua o Ovo Cósmico, esse mar que, necessariamente, é
anterior a nós, na medida em que somos o fruto manifestado da Sua criatividade.
A ternura inerente a essa Fonte volta a aparecer no último verso
Os beijos merecidos da Verdade.
já que o Criador, depois de ter aguardado que completasses a viagem iniciática ao longo de inumeráveis
encarnações, recebe-te de volta e permite que te fundas, de novo, com Ele, por forma a Ele e tu sejam Um,
como sempre foram e serão.
O Pai beija e, no beijar, unifica.
Bom, esta questão dos beijos é uma imagem poética, pois não consta que Deus tenha boca.
Como é que uma vibração pode ter lábios?
É por isso que tem de se dar um certo desconto à linguagem escrita!
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Poema III correspondente ao 3º signo, Gémeos
III – Padrão
(13 de Setembro de 1918)
O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.
A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.
E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é portuguez.
E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.
O aspecto mais interesse deste poema é facto de ser o único em que o autor - apesar de se identificar
com a figura de Diogo Cão - se expressa na primeira pessoa. Esta excepção deve-se, decerto, à circunstância
de Padrão corresponder a Gémeos, o signo natal de Fernando Pessoa (13-6-1888, 15.20 h de Lisboa).
Quando se descreve o signo de Gémeos costuma referir-se a sua acentuada mutabilidade e dispersão,
assim como a tendência para intelectualizar as experiências. Com base nestes parâmetros, veja-se, então,
como Fernando Pessoa se definiu a si próprio:
Cumpre-me agora dizer que espécie de homem sou. (...) Toda a constituição do meu espírito é de
hesitação e dúvida. Para mim, nada é nem pode ser positivo; todas as coisas oscilam em torno de mim, e
eu com elas, incerto para mim próprio. Tudo para mim é incoerência e mutação. Tudo é mistério, e tudo
é prenhe de significado. Todas as coisas são «desconhecidas», símbolos do Desconhecido. O resultado é
horror, mistério, um medo por demais inteligente. (...) Todo o meu carácter consiste no ódio, no horror e
na incapacidade que impregna tudo aquilo que sou, física e mentalmente, para actos decisivos, para pensamentos
definidos. Jamais tive uma decisão nascida do autodomínio, jamais traí externamente uma vontade
consciente. Os meus escritos, todos eles ficaram por acabar; sempre se interpunham novos pensamentos,
extraordinários, inexpulsáveis associações de ideias cujo termo era o infinito. Não posso evitar o
ódio que os meus pensamentos têm a acabar seja o que for; uma coisa simples suscita dez mil pensamentos,
e destes dez mil pensamentos brotam dez mil inter-associações, e não tenho força de vontade
para os eliminar ou deter, nem para os reunir num só pensamento central em que se percam os pormenores
sem importância mas a ele associados. (...) O meu carácter é tal que detesto o começo e o fim das
coisas, pois são pontos definidos. (...).
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De facto, notável! Tu, que adoras definições, poderás investigar os inúmeros compêndios de astrologia
disponíveis nas livrarias; contudo, atrevo-me a dizer que dificilmente encontrarás uma descrição que melhor
defina o arquétipo Gémeos.
* * *
Em Padrão, mais uma vez, Fernando Pessoa usa as navegações, os marinheiros e as viagens pelos
maravilhosos mares ignotos desse planeta para falar da sua «viagem» espiritual. Di-lo, claramente, no primeiro
verso da primeira estrofe. Decerto baseado na sabedoria adquirida por via da inevitável renúncia do
mundo e das suas vãs glórias, reconhece:
O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.
Porém, destes mesmos versos - que assinalam a propensão geminiana de se movimentar permanentemente
para diante - pode tirar-se um outro significado. Vejamos: nesta estrofe, Fernando Pessoa identificase
com Diogo Cão e confessa-se navegador, o que é uma forma de se reconhecer como um pesquisador
peregrino das rotas (Mar, Peixes, Portugal, Espírito) que conduzem à Origem. E, lembrando-se do monumento
de pedra (padrão!) que os Portugueses erguiam e deixavam nas terras que iam descobrindo, diz:
O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.
Tentemos traduzir:
1) O termo padrão - que, ao dar nome ao poema, reforça a sua regência sobre ele - certamente poderá
ser entendido como o próprio trabalho literário do poeta. Este trabalho é essa obra de incrível beleza, originalidade
e profundidade que deixou nesse planeta, particularmente o livro, Mensagem, ao qual pertencem
estes 12 poemas, cuja análise astrológica te envio desde este “assento etéreo onde subi”, como diria
Camões.
2) A expressão - ao pé do areal moreno – é, seguramente, sinónimo das praias desse Portugal à beira
mar plantado onde nasceste, as quais se tornaram célebres por terem assistido, durante séculos, à presença
angustiada dos seres humanos, principalmente mulheres, que ficavam pregadas no areal, angustiadas e
chorosas, olhando o horizonte, depois de terem visto zarpar os seus maridos e filhos.
Um parêntesis: Embora seja matéria do 10º poema (Mar Portuguez) - quiçá o mais belo e conhecido
dos 12 que fazem parte deste conjunto - cabe transcrever como Fernando Pessoa expressou este drama,
que ainda hoje continua a desenrolar-se no areal moreno de Portugal:
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
3) A expressão - E para diante naveguei - poderá ser interpretada, sem dúvida, como uma forma de
Fernando Pessoa dizer que cumpriu a tarefa a que se propusera. Ou seja, escreveu e avisou o que havia
para escrever e para avisar. Depois, como convém a qualquer ser humano, não se apegou à sua criação e
seguiu para diante, em busca de novas «rotas», novas «terras», novos «portos». Assim se purificou, sabendo
que haveria de continuar a evolução noutras dimensões, tendo como objectivo último a Luz Suprema.
E, como se a primeira estrofe não bastasse para confessar o objectivo a que dedicou toda a sua vida,
começa a segunda retomando o mote espiritual:
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A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.
Quer o poeta dizer, certamente, que os humanos não podem fazer tudo. (Bom, não podem fazer tudo,
mas podem fazer muito para que a obra, ainda imperfeita, se torne divina como a alma!)
Mas, seja como for, eu, Pólux, desde aqui, desde esta vibração que sou, te garanto que, realmente, os
humanos não podem fazer tudo!
A partir do momento em que – apesar de serem seres cósmicos altamente desenvolvidos - tenham
decidido desacelerar a vibração da vossa energia fazendo-a baixar para essa terceira dimensão, ou seja,
desde que a vossa alma, apesar de divina, tenha de se confrontar com o peso da matéria, só poderão fazer
o que estiver ao vosso alcance.
Por isso, a obra é imperfeita !
Mas, apesar de tudo, o que é que está ao vosso alcance?
O que está ao vosso alcance é usarem o livre-arbítrio da única maneira que vos é favorável, escolhendo
a via da dedicação ao aprofundamento espiritual! Esta escolha é fundamental para que, um dia, depois de
eons de tempo, se libertem desse mesmo livre-arbítrio e, finalmente, possam fazer a vontade do Pai sem se
entregarem a apreciações intelectuais sobre se essa Vontade Superior coincide ou não com a vossa vontade
inferior!
O que está ao vosso alcance é preferir usar o amor para embeber os vossos pensamentos e actos, para
que, finalmente, se acabem de vez todas as discórdias e desacordos, todas a desafinações que derivam de
alma não conseguir afinar a personalidade pelo tom, puro, que vibra na Origem.
O que está ao vosso alcance é tornarem sagrada a vossa consciência terrena, fazerem com que ela seja
à imagem e semelhança da vossa Consciência Cósmica.
Isto é conseguido, naturalmente, desde que usem «o livre-arbítrio da única maneira que vos é favorável,
escolhendo a via da dedicação ao aprofundamento espiritual» e prefiram «usar o amor para embeber os
vossos pensamentos e actos, para que, finalmente, se acabem de vez todas as discórdias e desacordos»!
Tudo isto está, perfeitamente ao vosso alcance... mas é preciso que seja alcançado!
Convirá, pois, não perder de vista aquilo que acordaram fazer quando decidiram encarnar, outra vez,
nesse planeta:
- fazer com que a alma deixe de enfrentar as sombras criadas pelo ego;
- convidar a personalidade a reconhecer que faz parte de um ser cuja origem é divina.
Estas duas das condições nucleares são fundamentais ao processo de ascensão que vos facilitará o
retorno à Fonte de onde saíram para reassumirem a prática da vossa verdadeira essência.
* * *
Ainda nesta segunda estrofe, Pessoa, considerando a sua obra com a consciência tranquila, garante:
A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.
Sim, da obra ousada, ele fez o que era possível ser feito.
Acima, eu disse: “tudo isto está perfeitamente ao vosso alcance... mas é preciso que seja alcançado!”
Ora, Fernando Pessoa alcançou o que estava perfeitamente ao seu alcance!
Se mais não fez foi porque O por-fazer é só com Deus.
* * *
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Este último verso da segunda estrofe, refere a Fonte de todas a humanidades e de tudo o resto que
existe. Trata-se, como é sabido, do Criador, neste caso sob a denominação Deus.
Ora bem, o signo complementar de Gémeos (3), é Sagitário (9), o Iluminador do Caminho, o modelo do
Mestre, do Guru, do Hierofante (do grego hierophántes, «sabedor de uma ciência ou de um mistério»). Dito
de outra forma, Sagitário é, precisamente, o arquétipo que tem como função religar as criaturas à sua Origem
- seja qual for o nome que se lhe dê – o que ele faz ensinando a reconhecer o que se esconde por
detrás das aparências.
O Centauro Arqueiro treina-se para acertar no alvo do significado profundo, abstracto, filosófico e metafísico
daquilo que acontece.
E já que, a propósito de Sagitário, estamos a falar de Deus, o Supremo Senhor do Universo, relembremos
que Sagitário, é regido por Júpiter/Zeus, o Supremo Senhor do Olimpo!
* * *
O segundo verso desta estrofe:
A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.
refere, claramente, os elementos dos signos que integram este eixo de signos – Gémeos e Sagitário – isto é,
o Ar (vento) e o Fogo (Céus), respectivamente.
A associação entre o elemento Ar e o vento é óbvia. Todavia, o mesmo poderá não acontecer com a
conexão Fogo/Céus. Se te parece que o Fogo tem uma relação longínqua com Céus, afina a tua mente para
a vibração espiritual e lembra-te do Fogo Criador do Pai.
Mas, se preferires, afina-a para a vibração mitológica e lembra-te que Zeus, o Senhor dos Céus, usa o
Raio cada vez que se aborrece. Olha, já várias vezes o vi com esse estado de espírito e devo dizer-te que
mete respeito. É claro que, visto desde aí de baixo, o espectáculo dos relâmpagos, é bastante apreciável!
Disse que já vi Zeus sob um estado de espírito aborrecido, aquela disposição que o leva a usar o Raio
violentamente. Porém, isto é, apenas, uma forma de dizer. Na verdade, o espírito só tem um estado, o qual
não tem, evidentemente, nada a ver com o aborrecimento!
* * *
Padrão é o terceiro poema deste conjunto, tal como Gémeos, é o terceiro signo do Zodíaco, o qual,
como já sabes, é o signo de nascimento de Fernando Pessoa.
Podemos, então, recuperar aqui a terceira pessoa da Santíssima Trindade, essa vibração a que a Igreja
Católica resolveu chamar Espírito Santo... embora devesse ser conhecida como Mãe - esse manto de estrelas
onde o Universo se envolve - pois uma família composta por um Pai, um Filho e uma Pomba é algo que dá
que pensar.
Seja como for, Mãe, Pomba ou Espírito Santo são tudo nomes que definem algo, e nomes que definem
algo são coisas que só existem aí na Terra, uma escola cujos alunos adoram definições!
Aqui, na dimensão onde estou, por exemplo, os nomes não definem, identificam.
Mas isso não vem ao caso, agora. Recuperemos, então, essa terceira pessoa da Santíssima Trindade
para a reconhecer como a Voz Muda que emite o Som Silencioso de Cristo.
Se a designação - Espírito Santo - define que o Espírito é Santo, então, seguir a via do Espírito nada
mais deveria ser do que reconhecer, aceitar e praticar as qualidades do Espírito.
Achas que seres Santo, como o Espírito é, não está ao teu alcance?
Tens razão se achas que não está. Porém, não é pelo juízo que fazes: não está ao teu alcance ser Santo
porque tu não podes alcançar uma coisa que, na Origem, já és!
Seguir, na Terra, a via do Espírito é viver como se fosse possível experimentar aí, plena e integralmente,
todas a qualidades do Verdadeiro Espírito.
Já sabes que não é! Mas é possível viver como se fosse!
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Trata-se de preferir, conscientemente, uma espécie de fingimento útil e deixar para trás todos os fingimentos
inúteis. Sim, meu irmão, aí na Terra as máscaras são inevitáveis.
Fernando Pessoa sabia que, embora a fingir, (sim, «o poeta é um fingidor»...!), o Caminho é individual
e solitário. Ele o diz:
E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.
Talvez por isso, Pessoa tenha optado pelo discurso na primeira pessoa do singular. Ao falar directamente
de si próprio, talvez tenha querido aproximar-se mais intimamente do leitor, na esperança de que
essa proximidade ajudasse a reconhecer a premência - e a importância! - de trocar todas as perguntas por
UMA só resposta. Talvez tenha pensado que a denúncia da sua experiência pessoal (ainda que cifrada na
poesia) incentivasse outros a seguir-lhe o exemplo.
Talvez... talvez... apesar de a febre (...) de navegar que nele havia (devida ao que lhe ia na alma)!
Isso certamente ter ensinou que quem tiver a coragem de lançar a sua consciência em direcção ao céu
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.
* * *
Para aliviar um pouco a densidade desta prosa, vamos brincar um bocadinho com as primeiras e últimas
palavras deste Padrão.
É sabido que nós, os deuses, não te pedem aquilo que facilmente podes realizar; isso seria equivalente a
uma condenação a ficares encalhado no mesmo lugar. Se permitíssemos tal coisa, esse universo terreno
estaria muito mais cristalizado do que já está.
Todos vocês sabem (embora muitos prefiram esquecer), que só afrontando os desafios é que a Roda,
individual e colectiva, se mantém em movimento. Fernando Pessoa, mais do que ninguém sabia disso.
Assim, as primeiras palavras deste Padrão:
O esforço é grande e o homem é pequeno
e as últimas:
O porto sempre por achar.
proporcionam o seguinte arranjo:
O esforço é grande, o homem é pequeno e o porto está sempre por achar.
Embora eu, Pólux, não seja propriamente uma pessoa, pessoalmente discordo.
O que pensará Fernando Pessoa acerca disto, agora que o seu porto já não está por achar?
Quando o vir por aqui, hei-de perguntar-lhe.
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Poema IV correspondente ao 4º signo, Caranguejo
IV - O Mostrengo
(9 de Setembro de 1918)
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: ‘Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?’
E o homem do leme disse, tremendo:
‘El-Rei D. João Segundo!’
‘De quem são as velas por onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?’
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
‘Quem vem poder o que eu só posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?’
E o homem do leme tremeu e disse:
‘El-Rei D. João Segundo!’
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
‘Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo;
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!’
Neste poema, Fernando Pessoa aborda a missão da alma, simbolizada pelo homem do leme, em face do
destino, simbolizado pelo Mostrengo, missão que, como tu já sabes, resume-me a vencer o medo... precisamente
o que sente o homem do leme quando se defronta com o Mostrengo!
No Zodíaco, esta polaridade está contida no seguinte eixo de signos opostos e complementares:
· 4º Signo – Caranguejo - regido pela Lua, símbolo do mundo interior: inconsciente, noite, alma, emoções
orientadas para os valores familiares e patrióticos.
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· 10º Signo - Capricórnio (que, em relação a Caranguejo está no ponto oposto, no fim do mundo) -
regido por Saturno, símbolo do mundo exterior: trabalho, responsabilidade, obra, destino, medo,
carma.
Ambos, cada qual à sua maneira, gerem as memórias das tuas experiências passadas, as quais, inevitavelmente,
condicionam, no presente, as respostas que escolhes dar aos estímulos exteriores que te chegam
a cada instante. É claro que, em muitíssimas situações, as tuas respostas são escolhas automáticas condicionadas
por hábitos ancestrais. Realmente, quando uma situação se relaciona com algo que, quer te lembres
quer não, te amedrontou no passado, imediatamente esse medo «original» é accionado... mesmo que, de
facto, não haja razão para isso! Muito sinceramente, espero que não entres em pânico cada vês que deparas
com um inofensivo ratinho!
Aqui, as deusas desistiram de saltar, aos gritinhos, para cima das cadeiras do Olimpo quando se aperceberam
de que o Olimpo não tem cadeiras. Nem ratos!
Deixa lá. Quanto tu te aperceberes de que o medo não existe, também deixarás de entrar em pânico.
O mostrengo que está no fim do mar
O 4º signo do Zodíaco, Caranguejo, naturalmente, está associado à Casa IV, a qual, por se encontrar na
parte inferior da mandala astrológica, toma o nome específico de «Fundo do Céu». Esta zona do mapa astral
simboliza o fim das coisas (a forma como acabas o que se começaste), o teu «Fundo», o fim do mar das
tuas emoções, o «Fundo» das tuas fundações psicológicas e físicas (família e bens de raiz), bem como o
aglomerado de irmãos do mostrengo que pululam no teu subconsciente.
Ora, Fernando Pessoa começa por dizer isto mesmo. E, sabendo que esses medos, mais cedo ou mais
tarde, sairão a voar da noite de breu para aflorar à superfície da consciência, acrescenta:
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
Se tiveres isto em consideração, facilmente reconhecerás Saturno na figura assustadora, severa e ameaçadora
do Mostrengo (medo) que sai do útero onde reside (subconsciente/Caranguejo) e se mostra ao apavorado,
mas corajoso, homem do leme. Ou seja, porque as suas águas foram perturbados (Caranguejo/
Água), e energia salta para o seu oposto complementar (Capricórnio/Terra), mostrando-se, tornando-se
«real» através de uma figura assustadora.
Externamente, ele simboliza o cabo do mundo que tem de ser vencido (dobrado) com valentia, sob pena
de não se chegar à Índia, o término da viagem; Internamente, ele simboliza a iniciação que tem de ser feita,
com entrega, sob pena de não se chegar à Luz, o término da viagem.
Seguro do seu poder de manipular a vontade humana, mas surpreendido com a «visita», o próprio Mostrengo
interroga, ao longo das três primeiras estrofes do poema :
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: ‘Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?’
E o homem do leme disse, tremendo:
‘El-Rei D. João Segundo!’
‘De quem são as velas por onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?’
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
‘Quem vem poder o que eu só posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?’
E o homem do leme tremeu e disse:
‘El-Rei D. João Segundo!’
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Novamente, aqui, está bem clara a viagem espiritual da Humanidade da Terra e o desafio de enfrentar o
desconhecido (inconsciente/Lua).
Peço-te para imaginares a situação do homem do leme, símbolo do Caranguejo: está longe da segurança
da pátria (Caranguejo), desterrado dentro de uma caravela no meio do oceano longínquo, acerca de cujas
águas (Caranguejo) nada sabe. De facto, quem eram os seus habitantes? Como terminavam? Que surpresas
reservavam? Além disto, o homem do leme está rodeado por ventos e tempestades, mergulhado na escuridão
nocturna (Caranguejo), enfim, lutando contra o seu próprio desamparo (Caranguejo). Ora, esta situação
de um caminheiro marítimo ter de dobrar um cabo no fim do mundo, onde se levanta e berra a configuração
monstruosa dos próprios medos sob a forma de um Mostrengo, para poder chegar à Índia, não é muito diferente
daquela que um caminheiro espiritual enfrenta para poder chegar ao seu Oriente.
Assim, em O Mostrengo, o homem do leme é um peregrino.
Pois seja. Mas quem é este peregrino? Fernando Pessoa? Tu? Olha, eu não sou, certamente, porque já
me livrei do medo. Estou livre do medo... mas soube o que é tê-lo. E é por tê-lo sabido que me permito
dizer-te estas coisas.
Em O Mostrengo, portanto, se o homem do leme é um peregrino que luta por ultrapassar os seus limites,
já El-Rei D. João II representa o divino dentro humano, o divino guardado nos átomos do corpo físico - aquilo
que um dia se transformará no fogo que te elevará a outra dimensão, tal como o fogo da fogueira eleva o
ar de que se alimenta.
Dito de outra forma, El-Rei D. João II representa o divino dentro humano, a Vontade do Eu Superior, a
Voz Silenciosa que ata ao leme e, por isso, não permite desistências.
Mas para que te serve a Vontade do Eu Superior, se não a puseres em prática?
No entanto, precisamente por ser Superior, esta Vontade não te obriga a que a ponhas em prática. Ela
não viola o teu livre-arbítrio que te leva a continuar a alimentar desequilíbrios e a lamentar perdas, não contraria
a tua renitência em que o teu próprio Espírito seja apresentado à tua personalidade. Não. A tua Vontade
Superior ama-te. Por isso, apesar de reconhecer os caprichos do teu ego, limita-se a esperar que te
decidas a aceitar o Seu desígnio.
Em O Mostrengo, o homem do leme atingiu esse ponto de consciência e decide pôr em prática a Vontade
do seu Eu Superior, neste caso, El-Rei D. João II . Já sem um ego que o comande, acolhe o seu desígnio
superior. Por isso, bravamente responde ao Mostrengo:
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
‘Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo;
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!’
E assim, tremendo, mas cumprindo o desígnio superior, enfrenta a noite de breu para se defrontar com
os seus monstros pessoais, o medo imundo e grosso que reside nos esconsos da mente.
Numa perspectiva astrológica, a figura de El-Rei D. João Segundo (o poder temporal por detrás dos Descobrimentos),
simboliza a Pátria (Caranguejo/Lua). Repescando o poema anterior direi que, desse “areal
moreno” o homem do leme se afastou, ali deixando mulheres ‘pregadas no areal, angustiadas e chorosas,
olhando o horizonte, depois de terem visto zarpar os seus maridos e filhos’.
Sacrificando-se, o homem do leme de tudo isto se afastou e, seguindo a Voz Maior, ousou entrar nos
domínios do Mostrengo, adentrando territórios desconhecidos.
Numa perspectiva espiritual, El-Rei D. João Segundo é equivalente a essa Voz Maior que o peregrino
ouve, a qual, a partir de um certo ponto, não pode deixar de ser ouvida, e muito menos abafada.
Sacrificando-se, tudo abandona, do mundo se desidentifica, ali deixando muitas pessoas “angustiadas e
chorosas”... principalmente aquelas que ainda não perceberam que, quando é hora, é tempo de partir!
* * *
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Na expressão três vezes, que tão insistentemente surge ao longo do poema, podemos ver, também, conotações
espirituais e astrológicas.
Espiritualmente, pode ver-se nela uma nova referência à Santíssima Trindade; astrologicamente, relembra
os três signos/Elementos que antecedem Caranguejo: Carneiro, Touro e Gémeos, isto é, o impulso
(Fogo), a determinação (Terra) e o discernimento (Ar) necessários à decisiva empresa de mergulhar nas
profundidades e reconhecer o que está oculto na essência de cada ser humano.
* * *
Vamos agora juntar o primeiro verso:
O mostrengo que está no fim do mar
com o último
De El-Rei D. João Segundo!
para ver se podemos esticar um mais a criatividade:
O mostrengo que está no fim do mar de El-Rei D. João Segundo!
Uma vez que a língua portuguesa é muito traiçoeira (como vocês gostam de dizer!), pode levantar-se
agora a questão de saber o que é que é de El-Rei D. João Segundo: o mostrengo ou o fim do mar? Assim,
deve ler-se:
O mostrengo, que está no fim do mar, de El-Rei D. João Segundo.
ou
O mostrengo, que está no fim do mar de El-Rei D. João Segundo?
Por aqui se vê como uma simples vírgula, a mais ou a menos, pode alterar o sentido de um texto.
Na primeira hipótese, se tirares a oração intercalada (que está no fim do mar), tens pela frente a mostrengo
particular de El-Rei:
O mostrengo (...) de El-Rei D. João Segundo.
Vejamos: Por detrás do título de rei está um homem como qualquer outro e, portanto, possuidor dos
seus próprios medos, hospedeiro do seu mostrengo particular, assim como se a alimária fosse uma espécie
de camareiro sombrio, que não o larga nem quando se vai deitar. Medo todos vocês têm, como se tem visto.
Porém, pelo facto de ser Rei, talvez esses medos fossem até bem maiores do que aqueles que perturbavam
o comum dos mortais da época, uma vez que os reis...
Bom, vamos deixar os julgamentos para nunca mais!
No caso de optarmos pela segunda hipótese:
O mostrengo, que está no fim do mar de El-Rei D. João Segundo.
é o fim do mar, não o mostrengo, que o pertence ao monarca português.
Perguntarás, e com muita razão:
Como é que D. João Segundo podia possuir uma coisa que era de todos? Como podia ser ele o senhor de
algo que ninguém sabia como acabava?
E eu respondo:
Podia sim, senhor, porque tu também possuis o medo, algo que é de todos e também não sabes como
acaba!
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Como vês isto é uma coisa muitíssimo concreta que decorre de coisas tidas por abstractas!
Portanto, é indiferente uma hipótese ou outra, uma vez que – sem quaisquer especulações - é do confronto
entre o sonho e o medo que depende a realização ou o fracasso de um destino.
Se não me engano era isso mesmo que Fernando Pessoa queria dizer. Mas tu, que vives dentro da sentida
alma portuguesa, decerto sentirás melhor do que eu!
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Poema V correspondente ao 5º signo, Leão
V - Epitáfio de Bartolomeu Dias
Jaz aqui, na pequena praia extrema,
O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro,
O mar é o mesmo: já ninguém o tema!
Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.
À primeira vista, este poema é difícil de interpretar. Analisemos as duas ordens de razões para que assim
seja.
1ª - Não faz sentido que o poema mais pequeno, de tamanho modesto, corresponda ao signo que gosta
da opulência e da grandiosidade;
2ª - O próprio título remete para a escuridão e para a morte... isto quando se sabe que Leão é regido
pelo Sol, símbolo da vida e da Luz.
O sentido profundo deste Epitáfio só fica perceptível quando encaramos esta sequência de poemas sobre
a perspectiva de uma viagem espiritual, tal como temos vindo a fazer, sobrepondo esse ângulo de visão com
a Astrologia. Todavia – e isto pode parecer uma afirmação surpreendente - falar de trajecto espiritual ou de
Astrologia é exactamente a mesma coisa, uma vez que esta pode ser o veículo daquele.
Há, sem dúvida, muitas formas de praticar a Astrologia. No século XXI, porém, não faz sentido fazer
outro uso dela que não seja o de reconhecê-la como uma técnica de compreensão humana que, se assim o
quisermos, poderá contribuir para a expansão da consciência. Di to de outra maneira, poderá ser uma bússola
sempre ao dispor de quem já se sente atraído, conscientemente, pelo caminho inevitável da iluminação.
Por conseguinte, a iniciação conseguida através da superação do ego e dos seus inevitáveis medos, dá
acesso, evidentemente, a um Homem Novo. Nada mais natural, portanto, do que lavrar um epitáfio que
recorde o criatura deixada para trás - a personalidade que «morreu» para dar lugar a outra, mais madura,
isto é mais significativa.
Jaz aqui, na pequena praia extrema,/O Capitão do Fim... quer dizer que aqui ficou o velho ser, aquele
que comandou a sua «nau” até à fronteira de uma nova dimensão espiritual.
Dobrado o Assombro, ou seja, depois de vencido o medo monstruoso:
O mar é o mesmo:/já ninguém o tema!
Dito de outra maneira: continuamos aqui, vivendo, mas deixou de haver razão para recear!
E onde está a referência ao signo oposto e complementar daquele a que esse poema diz respeito? Aqui,
em Leão, temos de ver de que forma Aquário está codificado dentro deste Epitáfio...
Aquário é o futuro. Representa a abertura mental necessária ao crescimento, principalmente espiritual.
Aquário pretende projectar-se para a frente e realizar os seus ideais de elevação, ao mesmo tempo que vai
deixando para trás o lastro do interesse e do empenho pelas coisas terrenas, as quais, por via do seu
«peso», não só dificultam o caminho rumo à transparência e à leveza, como ainda impedem a capacidade
de respirar o «ar» puro das Alturas.
Daí o seu amor ao desapego e o seu apreço pela impermanência!
Ao fim e ao cabo, Aquário é um arquétipo de esperança e simboliza a certeza de que a Humanidade, reprogramando
a sua mente e alinhando-a com a intuição (Urano, regente de Aquário) e com o espírito,
passará a conduzir-se habilmente por ter recuperado o conhecimento da Essência.
Assim sendo, fica claro que este Epitáfio... é o paradigma do salto para a frente.
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Acima, falámos da superação do medo. Ora, neste poema, é disso mesmo que se trata: depois de
enfrentado o Mostrengo (o poema anterior) e vencidos os seus medos, o Ser fica muitíssimo mais leve.
Além disso, esta libertação ainda tem a vantagem de facilitar os movimentos que hão de ser dados a
seguir. Aquário não pode alçar a alma para o alto se o «porão da nau” estiver a abarrotar de pesos indesejáveis.
Se assim acontecer - Atlas, (não) mostra alto o mundo no seu ombro!
Ao longo dos poemas anteriores temos vindo a procurar, dentro deles, alguma referência ao signo oposto
e complementar daquele a que esse poema diz respeito. Aqui, em Leão, temos de ver de que forma está
Aquário codificado dentro deste Epitáfio...
Aquário (11º) é o futuro. Representa a abertura mental necessária ao crescimento, principalmente
espiritual. Aquário pretende projectar-se para a frente e realizar os seus ideais de elevação, ao mesmo
tempo que vai deixando para trás o lastro do interesse e do empenho pelas coisas terrenas, as quais, por via
do seu “peso”, não só dificultam o caminho rumo à transparência e à leveza, como ainda impedem a
capacidade de respirar o ar puro das Alturas. Daí o seu amor ao desapego e o seu apreço pela impermanência!
Como já se disse quando acima abordámos este arquétipo, Aquário tem o dom de desprender-se de si
próprio, de desligar-se das pulsões instintivas e consegue encará-las com distanciamento, já que a intensidade
das paixões, as contingências materiais e as misérias da vida tocam-no, mas não o perturbam. Ao fim
e ao cabo, é um arquétipo de esperança. É o símbolo da certeza de que a Humanidade, reprogramando a
sua mente e alinhando-a com a intuição (Urano, regente de Aquário), passará a conduzir-se habilmente na
medida em que possui, por via directa, o conhecimento da Essência. Assim sendo, fica claro que este Epitáfio...
é o paradigma do salto em frente.
Quando acima falámos do descarte dos lastros que atrapalham a “navegação”, estávamos a pensar no
lastro-mor que, como já ficou evidente, se chama medo. Ora, neste poema, é disso mesmo que se trata:
depois de enfrentado o Mostrengo e vencidos os medos, o Ser fica muitíssimo mais leve. Além disso, essa
libertação tem ainda a vantagem de facilitar os movimentos que hão de ser dados a seguir. Aquário não
pode alçar a alma para o alto se o ‘porão da nau’ estiver a abarrotar de pesos indesejáveis. Se assim acontecer
- Atlas, (não) mostra alto o mundo no seu ombro!
Este poema é pequeno, mas, mesmo assim, é perfeitamente possível juntar as primeiras palavras e as
últimas, na esperança de que façam algum sentido. Portanto, juntemos - Jaz aqui - com - o mundo no seu
ombro:
- Jaz aqui, o mundo no seu ombro.
Curiosamente, como Atlas não é referido, o ombro deixa de lhe pertencer, para passar a ser de quem jaz
(no poema) ou seja, de Bartolomeu Dias. Portanto, o mundo jaz no ombro de Bartolomeu Dias. É mais coerente
que seja assim, não pelo facto de ele ser português, mas por se tratar de um ser humano cuja coragem
(e o poder de persuasão do Infante D. Henrique!) fez dele um herói e um exemplo. Atlas, por seu lado
é, apenas, uma figura mitológica que existe, precisamente, para servir de referência a criaturas da dimensão
deste navegador!
Mas que “mundo” jaz no ombro deste Capitão do Fim? Decerto o mundo completo, já que, antes da passagem
pelo Cabo das Tormentas (Boa Esperança) os ocidentais só conheciam as coisas pela metade, sendo
que o mesmo se podia dizer dos orientais. Através desse navegador nos conhecemos uns aos outros e encetámos
uma longa história de trocas a todos os níveis.
Bem vistas as coisas, se não fosse Bartolomeu Dias, nós, hoje, não tínhamos a acupunctura à nossa disposição
e os orientais ainda estariam para saber o que é a Coca-Cola e a MacDonalds.
Grave perda para os orientais!
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Poema VI correspondente ao 6º signo, Virgem
VI - Os Colombos
(2 de Abril de 1934)
Os outros haverão de ter
O que houvermos de perder.
Outros poderão achar
O que, no nosso encontrar,
Foi achado, ou não achado,
Segundo o destino dado.
Mas o que a eles não toca
É a Magia que evoca
O Longe e faz dele a história.
E por isso a sua glória
É justa auréola dada
Por uma cruz emprestada.
Este é um texto bem complicado de analisar. Não sei se Fernando Pessoa fez de propósito mas a verdade
é que um dos atributos de Virgem é precisamente a te ndência para complicar!
Todavia, há muito a dizer. Assim, onde vamos encontrar referências ao Elemento de Virgem (Terra) e ao
signo oposto, Peixes ?
Este poema, no seu conjunto reflecte sobre um mundo de posses, equivalente ao da Terra (ter e dar,
possuir e perder, produzir e vender, semear e colher, etc.). Logo nos dois primeiros versos se encontra uma
referência clara a quem tem ou não tem, a quem perdeu ou a quem achou.
No que diz respeito ao signo oposto, Peixes, toda a segunda estrofe se espraia pelos símbolos piscianos.
Fala-se de Magia, de evocar, de Longe, de auréola. A linguagem já não refere, como na estrofe anterior, as
coisas concretas do ter ou não ter mas um ambiente evasivo, diáfano, misterioso e, até, transcendente. Há,
inclusivamente, uma clara referência à característica pisciana de não querer ter nem sequer possuir: é quando
o poeta diz que a justa auréola dada provém de uma luz emprestada.
Mas, se repararmos bem, o que é que este poema tem a ver com os Descobrimentos portugueses?
Objectivamente, nada. Mais: se só há um Colombo, por que se chama este poema Os Colombos?
Parece que «os colombos» representam aqueles navegadores e descobridores que fizeram exactamente o
que os portugueses fizeram (navegar, descobrir terras, etc.), mas a quem faltava uma coisa essencial: serem
portugueses! Se dizemos isto, não é, evidentemente, pelo facto de «nós» sermos melhores do que «eles»; é
pelo facto de «eles» terem nascido fora do país que, segundo Pessoa, tinha por missão divina expandir os
caminhos marítimos deste planeta... e, consequentemente, espalhar por esse mundo o pacífico, criativo,
condescendente e sensível ADN pisciano/português.
Isto poderá ser muito polémico, mas é o que pode deduzir-se de:
E por isso a sua glória
É justa auréola dada
Por uma cruz emprestada.
De facto, dá a sensação de que os colombos (todos os outros navegadores estrangeiros) apanharam a
«onda» que, divinamente, aos portugueses fora destinada. No entanto, como era inevitável que navegadores
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de outras nacionalidades se predispusessem a contribuir para essa aventura, Fernando Pessoa presta-lhes
homenagem, classificando de justa a auréola que, historicamente, ficou rodeando as cabeças deles... apesar
de provir de uma cruz (destino) emprestada!
Poderá haver quem se espante ou desconfie deste espírito de missão dos portugueses (irremediavelmente
piscianos!), o qual atingiu o auge no século XV. Mas há coisas que, embora possam passar desapercebidas
aos distraídos, convém prestar alguma atenção.
Eis três dos muitos exemplos que poderiam apresentar-se:
1 - Por que se dirá que Portugal é um país de poetas, de gente ingénua, devota e caritativa, sabendo-se
que a Poesia, a devoção, a ingenuidade e a caridade são atributos de Peixes?
2 - Que outra nação poderia possuir o mito do Encoberto (que voltará numa manhã de nevoeiro!), isto
quando se reconhece que nevoeiro, indefinição, sonho, saudade e simbolismo são atributos de Peixes?
3 - Quem mais faria uma revolução (25 de Abril de 1974), onde, os representantes dos poderes caídos,
os responsáveis por mortes, assassinatos políticos, fome, atraso e repressão, em vez de serem julgados,
como seria justo, foram misericordiosamente tratados e, já envoltos num perdão inquestionável, acabaram
por viajar, na maior tranquilidade, ao encontro do sol acolhedor do país irmão, do outro lado do Atlântico? E,
enquanto estas cenas perfeitamente surpreendentes se iam desenrolando, rubras flores enfeitavam os canos
das espingardas, portadas por soldados de lágrima no olho, desejosos de abraçar toda a gente, talvez até
aqueles a quem, pouco tempo antes, julgavam impossível perdoar por lhes quererem tirar a vida!
A minha faceta universalista, simbolizada pelo ascendente em Aquário, impede-me de sentir os arrebatamentos
típicos promovidos pelas emoções desencadeadas pelo nacionalismo. Na verdade, a tendência é
para ficar distanciado e divertido, como é apanágio de Aquário.
Porém, apenas uma resposta apetece dar às perguntas feitas acima: apesar de calorosos e ingénuos, de
brutos e generosos, de provincianos e infantis, de terríveis e corajosos, só os portugueses poderiam vive nciar
uma revolução como a 1974.
Sem dúvida, é uma questão de natureza da nossa Alma.
É assim e (se exceptuarmos a obrigação de refinar essa natureza), não há nada a fazer!
A frase - Outros haverão de ter (...) uma luz emprestada - é o que resulta da combinação das primeiras e
das últimas palavras deste poema. É óbvio que Fernando Pessoa nada tem a ver com este verso. E dificilmente
poderia assinar uma coisa destas já que, interpretando-o à luz da espiritualidade, embora seguindo
uma orientação diferente da que foi usada na análise a Os Colombos, trata-se de um enorme disparate!
Assim é porque ninguém poderá ter ou beneficiar de uma luz emprestada. Luz, não é coisa que se empreste!
Aliás, sequer é coisa que se dê, porque já foi dada pela única Entidade que poderia fazê-lo. Por que
razão haveria o leitor de oferecer o mesmo presente duas (ou mais!) vezes, se, da primeira vez, a dádiva foi
feita com o todo o altruísmo, isto é, sem esperar nada em troca? Assim, Luz é algo que não devemos esperar
de ninguém. Acresce, ainda, ser escusado buscá-la seja aonde for, excepto num lugar: no (chacra do)
coração! Em termos dessa dádiva, não há graus, porque ela foi absoluta. Onde esses graus já se verificam é
na noção que cada um de nós tem da quantidade e qualidade de luz que irradia. Dito de outra forma, o que
está em causa é a maior ou menor consciencialização que cada um possui do quanto já tirou daquilo que
obscurecia, e nos casos mais graves encobria completamente, a Luz. Deus não empresta nada. Nem dá! Isto
poderá parecer um sacrilégio imperdoável passível de fogueira. Deixa, todavia, de sê-lo se nos lembrarmos
que a Origem já deu tudo o que tinha a dar quando nos criou “à sua imagem e semelhança”. O resto, tem
sido, é e será da responsabilidade de cada um de nós!
Contudo, devemos evitar interpretar literalmente este “à sua imagem e semelhança”, para não corrermos
o risco de imaginar Deus com dores de estômago, talvez careca ou bronzeado do Sol e, quem sabe, até,
sócio honorário do Futebol Lisboa e Benfica! Foi isso mesmo que fizeram muitos dos nossos antepassados, e
continuam a fazer muitos dos nossos coevos, sendo por isso que o imaginam velho e barbado (o Big Bang já
ocorreu há imenso tempo!), sentado lá em cima, extremamente preocupado, incapaz de tirar os olhos dos
biliões de filhos que gerou e, tendo em vista um futuro e implacável ajuste de contas, fazendo questão de
apontar num caderninho todas as patifarias que a nossa cegueira sugere e todas as traquinices que a nossa
imaturidade sempre convida a fazer!
Não admira que tenham medo dessa figura que o seu medo criou!
Por isso, leitor, aplaque a sua consciência, pois, enquanto ser divino, você não tem culpa e, ainda por
cima, está isento de pecado! Aquela parte de si que sente culpa e remorsos pelos pecados cometidos, não
foi criado pelo Pai. Realmente, quando a criação é perfeita, contem em si a possibilidade de escolha, pois,
de outra forma, o Criador não passaria de um reles e lamentável ditador! Logo, é um tanto absurdo acreditar
que Ele possa ter criado o ego. Ora, Deus é Amor. Por ser assim, criou-nos perfeitos. Por conseguinte, o
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ego é da sua inteira responsabilidade, tal como o meu é da minha! O que piora as coisas é que o ego, porque
serve apenas a si mesmo, está fadado a errar na escolha!
Como se compreenderá, aquilo que nos impede de reconhecer a Verdade - a tal Luz que é nossa desde o
Princípio - é, precisamente, as consequências dessas escolhas inábeis, egoístas.
Para quê, então, buscar a Luz fora ou procurar quem lha possa fornecer emprestada se, desde sempre,
essa portentosa vibração vive dentro do seu coração?
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Poema VII correspondente ao 7º signo, Balança
VII - Ocidente
Com duas mãos - o Acto e o Destino -
Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu
Uma ergue o facho trémulo e divino
E a outra afasta o véu.
Fosse a hora que haver ou a que havia
A mão que ao Ocidente o véu rasgou,
Foi alma a Ciência e Corpo a Ousadia
Da mão que desvendou.
Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal
A mão que ergueu o facho que luziu,
Foi Deus a alma e o corpo Portugal
Da mão que o conduziu.
Comecemos por analisar o título escolhido para este sétimo poema – Ocidente.
Como se sabe, o sétimo signo do Zodíaco é Balança e está associado à Casa VII, cujo grau inicial se
chama Descendente (por oposição à 1ª Casa, cujo grau inicial toma a designação de Ascendente). Assim,
Ascendente e Descendente formam um eixo. Se o Ascendente astrológico é o grau do signo que estava a
ascender no horizonte - a oriente - no momento do nascimento da pessoa, o Descendente é, portanto, o
grau do signo que estava a descender no horizonte - a Ocidente – nesse mesmo minuto. Logo, Fernando
Pessoa não poderia ter escolhido um título mais apropriado para este sétimo poema, o qual tem a ver com o
ponto - a Ocidente - onde o Sol se põe! Deste modo, o sétimo signo e a Casa VII referem-se ao «outro», ao
par, à complementaridade, na medida em que, na roda zodiacal, está em frente de Carneiro, 1º signo, o
arquétipo da individualidade. De um lado está, portanto, o «um» (Eu); do outro lado está o «dois» (o
Outro). E é, precisamente, por aí que Pessoa começa, dizendo:
Com duas mãos...
E prossegue, sempre colocando em paralelo duas ordens de valores, necessárias para realizar qualquer
empresa - Com duas mãos - o Acto e o Destino (...) Foi alma a Ciência e Corpo a Ousadia (...) Foi Deus a
alma e o Corpo Portugal.
A primeira estrofe reforça bem esta necessidade de cooperação, nascida da complementaridade típica
do signo de Balança, onde cada uma das partes da parceria se encarrega da sua função específica:
Uma ergue o facho trémulo e divino
E a outra afasta o véu.
A segunda e terceira estrofe confirmam esta ideia: a segunda diz que a mão que desvendou teve como
alma a Ciência e corpo a Ousadia; a terceira assegura que a mão que conduziu teve em Deus a Alma e no
corpo Portugal.
Por conseguinte, cada mão fez a sua parte: uma desvendou e a outra conduziu.
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Numa outra perspectiva, Fernando Pessoa, mais uma vez, afirma que a missão de Portugal tinha um carácter
divino:
Foi Deus a alma e o corpo Portugal.
Portanto, Deus (a alma do projecto), ao determinar que essa tarefa de desvendar fosse realizada, precisava
de um corpo que, no mundo físico, e usando duas mãos hábeis e corajosas (o Acto e o Destino), a levasse
a cabo. E escolheu as de Portugal.
Aquilo que nós desvendámos está referido através de duas imagens:
um véu que se rasga (segunda estrofe), e
o facho que luziu (terceira estrofe).
Esta ideia, onde se mesclam desvelamento e iluminação, é típica do ponto zodiacal chamado Descendente
(Ocidente). De facto:
Desvelamento: é nesse ponto do Horizonte que o Sol se põe. É o momento a partir do qual outras
realidades são desveladas em consequência da diminuição da luz e a chegada da noite.
Iluminação: é a partir desse ponto que, visto da Terra, o sol parte para iluminar o outro lado do
mundo, envolto da escuridão nocturna.
Acima, a palavra Horizonte aparece escrita em itálico porque foi com ela que Pessoa intitulou o segundo
poema desta série, o qual está associado a Touro. É certo que, neste contexto, a palavra foi escolhida e
usada por mim, o que poderá tornar um tanto forçado o que vai seguir-se. A verdade, porém, é que quer
Touro, (Horizonte), quer Balança (Ocidente ) são regidos por Vénus. Ora esta entidade - também conhecida
por Afrodite, a Sedutora - é a deusa quer do namoro (fase do relacionamento em que uma mão se dá à
outra), quer do casamento (fase do relacionamento em que, tradicional ou simbolicamente, o homem pede a
mão da mulher). O problema é que esse «tomar da mão» é usado frequentemente para possuir (Touro) e
não para compartilhar (Balança)! Ora, como pode facilmente comprovar-se, a posse acaba por gerar outros
usos da mão: a pessoa que possui poderá alçar a mão para agredir quando se vê perante a ameaça de perda;
a pessoa que é possuída poderá usar a mão para desenhar no espaço o gesto de despedida! O melhor,
portanto, será manter o contacto, segurando sem agarrar!
Resta lamentar que Fernando Pessoa, enquanto homem, não tenha encontrado a sua «outra mão». As
razões por que assim aconteceu são, decerto, várias e complexas. No entanto, tentou - o que é louvável!
Leia-se este excerto de uma carta que enviou à sua célebre amada Ophélia, em 1.3.1920: (...)
Se prefere a mim o rapaz que namora, e de quem naturalmente gosta muito, como lhe posso eu levar a
mal? A Ophelinha pode preferir quem quiser: não tem obrigação - creio eu - de amar-me, nem realmente
necessidade (a não ser que queira divertir-se) de fingir que me ama. (...) Porque não é franca comigo? Que
empenho tem em fazer sofrer quem não lhe fez mal - nem a si, nem a ninguém -, a quem tem por peso e
dor bastante a própria vida isolada e triste, e não precisa que lha venham acrescentar criando-lhe falsas
esperanças, mostrando-lhe afeições fingidas, e isto sem que se perceba com que interesse, mesmo de divertimento,
ou com que proveito, mesmo de troça. Reconheço que tudo isto é cómico, e que a parte mais cómica
disto tudo sou eu.
Pela sua maneira honesta, aberta e sincera de encarar o relacionamento com a Ophelinha, Fernando
Pessoa parecia ter tudo para ser bem sucedido.
Para que resulte, porém,é preciso que hajam duas mãos...!
Estas palavras, com que se inicia Ocidente, podem juntar-se às últimas para dar - Com duas mãos (...) o
conduziu.
Conduziu o quê? O processo de translucidez da alma!
As duas mãos, a direita e a esquerda, podem ser entendidas como símbolos dos dois hemisférios cerebrais,
o direito/intuitivo e o esquerdo/racional. A integração destas duas polaridades é um passo indispensável
para conseguir-se colher a Unidade.
A utilização exclusiva (se tal é possível!) ou preferencial de um deles, necessariamente concorre para o
desequilíbrio. Quem, como a maioria dos seres humanos, utiliza mais o cérebro esquerdo, acaba por se
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transformar num culto intelectual ou num arguto cientista; talvez seja, até, uma sumidade, um perito em
análise, dedução e raciocínio. Todavia, corre o risco de, por falta da colaboração (ou estímulo!) do hemisfério
complementar, assumir uma postura fechada e céptica em relação à linguagem simbólica e subjectiva.
Por outro lado, quem privilegia o hemisfério direito em detrimento do esquerdo, poderá cair na falta de
lógica, expressar-se através de um discurso descabelado e utópico e, o que parece ser mais grave, carecer
da capacidade de integração e aplicação da riqueza de todos os símbolos na dimensão concreta e mensurável
do quotidiano.
Assim, aqui, como em qualquer outra dimensão da vida, não se trata do radical e escorpiónico (8) “ou...
ou”, mas sim de um mais saudável, conciliador e libriano (7) “não só... mas também”. Destas deduções
esquerdinas (!) se deduz facilmente que quem quiser fundir-se com a Unidade, não deve incorrer em radicalismos,
nem deixar nada de fora. Quem conseguiu levar “O Carro” do seu Destino até à estação final, chamada
Iluminação, decerto Com duas mãos (...) o conduziu.
Por isso é que o sétimo signo (Balança - Ocidente) é o arquétipo da complementaridade.
Desconhecemos se é pela mesma razão que, no Tarot, “O Carro” aparece em sétimo lugar na ordem dos
22 Arcanos Maiores!
Mas dava jeito que fosse!
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Poema VIII correspondente ao 8º signo, Escorpião
VIII - Fernão de Magalhães
No vale clareia uma fogueira.
Uma dança sacode a terra inteira.
E sombras disformes e descompostas
Em clarões negros do vale vão
Subitamente pelas encostas,
Indo perder-se na escuridão.
De quem é a dança que a noite aterra?
São os Titãs, os filhos da Terra,
Que dançam da morte do marinheiro
Que quis cingir o materno vulto -
Cingi-lo, dos homens o primeiro -
Na praia ao longe por fim sepulto.
Dançam, nem sabem que a alma ousada
Do morto ainda comanda a armada,
Pulso sem corpo ao leme a guiar
As naus no resto do fim do espaço:
Que até ausente soube cercar
A terra interna com seu abraço.
Violou a Terra. Mas eles não
O sabem, e dançam na solidão;
E sombras disformes e descompostas,
Indo perder-se nos horizontes,
Galgam do vale pelas encostas
Dos mudos montes.
É óbvia a associação deste poema com Escorpião quando se repara que o texto aborda a morte de um
navegador. O ambiente que se respira ao longo das quatro estrofes é escuro, mágico, mítico, assombroso,
aterrador, pesado, descrevendo, perfeitamente, o mundo escorpiónico.
Basta recordar o mito de Plutão, regente deste signo, para ressaltar essa analogia: no panteão olímpico,
ele era e única divindade cuja palavra, uma vez dada, não podia ser alterada ou revogada pelos outros De uses
e, muito menos, pelos mortais.
Morte, regeneração e transcendência estão associadas a esta fase do ciclo porque não é possível viver a
«ascensão» a estados de consciência mais elevados (fase seguinte, Sagitário) sem que, antes, tenha ocorrido
uma profunda metamorfose, a qual, normalmente é vivida através de uma crise mais ou menos perturbadora.
Fernando Pessoa, enquanto astrólogo e entidade altamente desenvolvida, sabia-o perfeitamente. Por
isso, aborda a morte neste 8º poema e, ao 9º (correspondente a Sagitário), dá o título de Ascensão de Vasco
da Gama!
Escorpião é um signo de Água (emoção, sensibilidade) e das profundidades. É um arquétipo telúrico,
regente das entranhas da Terra e das suas convulsões. Ora, é sabido que, no nível humano, não existem
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maiores convulsões do que aquelas provocadas pelas «erupções» emocionais que ascendem das profundezas
da psique. Daí a má fama deste signo!
Poucos são aqueles que gostam de mudar! Efectivamente, raras são as pessoas que aceitam a impermanência
de tudo o que existe manifestado neste plano físico. A verdade, porém, é que a palavra «crise»
contém uma faceta de perigo e outra de oportunidade.
É claro que quem pretende, através do seu ego, conter e represar as forças da natureza psíquica, está
condenado a, mais cedo ou mais tarde, ser arrasado e «destruído». O que «destruído», todavia, é a decisão
de recusar o que deveria de ser bem acolhido. O resultado é o renascimento de um novo ser; sem este
renascimento não é possível a fase seguinte que se caracteriza pela ascensão.
Esta profunda purificação a todos os níveis é a «função» de Escorpião e do seu regente Plutão.
A viagem à volta do mundo empreendida por Fernão de Magalhães pode ser comparada com a viagem à
volta ao Zodíaco. Quem quiser completar a jornada tem de predispor-se a «morrer” na 8ª fase.
O que fez Fernão de Magalhães? - Violou a Terra.
O navegador teve o «atrevimento» de desvirginar a esfericidade da Terra, o maior segredo que,
porve ntura, o planeta ainda escondia! Tamanha ousadia foi paga com a morte, ainda antes da empresa
concluída. Plutão fez-se pagar pesadamente.
Porém, com - um pulso sem corpo ao leme a guiar, - a prova foi superada!
Fernando Pessoa não esconde esta temática escorpiónica e o seu vocabulário habitual e, no poema, há
imensas referências que eliminam todas as dúvidas: Uma dança sacode a terra inteira (...) sombras disformes
e descompostas (...) Em clarões negros do vale que vão (...) Indo perder-se na escuridão (...) De quem
é a dança que a noite aterra? (...) Que dançam a morte do marinheiro (...) Na praia ao longe enfim sepulto
(...) Do morto ainda comanda a armada (...) As naus no resto do fim do espaço (...) Violou a Terra. Mas eles
não/O sabem e dançam na solidão (...)
Da mesma forma que não é possível fazer uma Ascensão sem que uma iniciação prévia abra as portas
da Totalidade, também o feito de Fernão de Magalhães abriu, amplamente, a noção que o Homem quinhentista
detinha acerca do planeta onde vivia. Mas essa expansão de consciência, inclusivamente científica, só
foi possível através do «sacrifício» do navegador.
De facto, Plutão mostrou-se e Caronte exigiu o pagamento!
Este poema reflecte tão perfeitamente o arquétipo escorpiónico que resiste a não se deixa adulterar
quando se juntam as primeiras e últimas palavras dele. O sentido essencial permanece:
No vale (...) dos mudos montes.
Ora, Escorpião tem excelentes relações com o silêncio!
No imaginário humano, se há lugar onde reina a paz que convida ao recolhimento, à devoção, ao agradecimento
e à gratidão, é no vale nos mudos montes. É quando nos retiramos e recolhemos nele, física ou
mentalmente, que podemos ter a consciência do quinhão da Obra Divina que nos é pedido.
Vimos, no poema anterior, que tudo há de ser conduzido com as duas mãos, contemplando a união das
duas polaridades. Isto é, os relacionamentos são essenciais. Porém, o movimento de O Carro, não pode ser
impedido, nem atrapalhado pela presença das pessoas e das coisas mundanas, umas e outras ruidosas por
natureza. Há que respeitar o afastamento dos outros que caracteriza a iniciação, como foi citado, também,
no 7º poema (Ocidente).
Mesmo correndo o risco de cair na vulgaridade (o que, afinal, não envolve risco nenhum!), terminaríamos
esta 8ª secção relembrando que melhor do que pescar um peixe, é não desistir de pescar!
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Poema IX correspondente ao 9º signo, Sagitário
IX - Ascensão de Vasco da Gama
(10 de Janeiro de 1922)
Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra
Suspendem de repente o ódio da sua guerra
E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus
Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus,
Primeiro um movimento e depois um assombro.
Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro,
E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões.
Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta
Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovões,
O céu abrir o abismo à alma do argonauta.
Este 9º poema é, nitidamente, a continuação do anterior (8º, Escorpião), dado que estamos no ponto
crucial entre a 8ª e a 9ª fase do processo de evolução espiritual da Humanidade terrena.
Efectivamente, na via espiritual, não há ligação mais estreita nem uma «continuidade» mais óbvia do
que na ponte que liga o momento da «morte» de uma velha etapa de vida ao momento de Ascensão para
outra etapa de dimensão superior. Uma coisa é consequência da outra. E, essa ponte, chama-se iniciação!
Assim, tal como ao oito se segue o nove, também à morte (de Fernão de Magalhães - VIII) se segue a
Ascensão (de Vasco da Gama - IX).
Os primeiros versos deste poema denunciam claramente essa continuidade, pois neles persiste o
ambiente escorpiónico descrito no poema anterior (Fernão de Magalhães – Escorpião):
Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra
Suspendem de repente o ódio da sua guerra
E pasmam.
E se, nesse 8º poema, o ambiente foi caracterizado por o ódio da sua guerra (o «clima» típico de
Escorpião, no 9º, temos a grandiosidade e a «elevação» que tão bem caracterizam Sagitário. Este é o reino
de Júpiter/Zeus, o deus dos Deuses, o Senhor do Olimpo e, enquanto planeta, do gigante do Sistema Solar.
Pessoa refere isso logo no primeiro verso:
Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra
Mas há, pelo menos, mais duas referências a Júpiter/Zeus, o Senhor do Raio: a primeira está contida no
último verso as primeira estrofe (E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões.) Este verso descreve a imagem
clássica de Zeus, recostado numa nuvem, fazendo relampejar (para se entreter, castigar ou simplesmente
assustar os humanos), sempre que usa o seu Raio; a segunda referência está, ainda mais nítida, no
segundo verso da segunda estrofe (Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovões).
Aliás, é interessante verificar que, ao entrarmos nos domínios do Senhor do Olimpo, a Morada dos Deuses,
encontremos - pela primeira vez desde que partimos do primeiro poema, O Infante - o termo Deuses.
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A presença do signo oposto a Sagitário, Gémeos, não é muito clara, excepto se repararmos que Ascensão
de Vasco da Gama trata, efectivamente, de uma questão que tem a ver com o reconhecimento da
comunicação entre o que está em cima e o que está em baixo. Ora, a temática da comunicação é o fulcro do
arquétipo Gémeos, regido por Mercúrio, uma entidade que, além de desempenhar o papel de Mensageiro
dos Deuses, era filho de Júpiter/Zeus.
Portanto, os regentes do eixo Gémeos, /Sagitário, estão, mitologicamente falando, ligados por laços
familiares bastante estreitos.
Além disto, se Júpiter/Zeus é Senhor e pai, Mercúrio, enquanto filho, deve obedecer-lhe e respeitá-lo.
Astrologicamente falando, também a mente racional (Mercúrio) deve «ceder» perante a abrangência e a
sabedoria (Júpiter).
E, se nos reportarmos aos irmãos gémeos (Castor e Pólux) que formam o símbolo de Gémeos, verificamos
que um deles era mortal (terra) e o outro imortal (céu). Portanto, mesmo sem «sair» de Gémeos – o
terceiro signo do Zodíaco - a mensagem permanece: sendo o movimento ascensional, o gémeo terreno tem
de «morrer» para dar o lugar ao seu irmão divino, pois só assim se consegue plantar um Padrão (III) nos
novos territórios conquistados!
No que toca aos respectivos Elementos - o Fogo de Sagitário e o Ar de Gémeos - é sabido que o Fogo
sempre foi considerado um Elemento de purificação. Veja-se, a título de exemplo, a queima dos livros
empreendida fanaticamente pelo III (!) Reich ou a queima dos «hereges» durante o período da Inquisição.
Assim, o Fogo, entendido espiritualmente, representa a purificação da alma, um processo feito através da
«combustão» de todas as impurezas (fundamentalmente de uma, chamada ignorância), cujo «peso» adia o
destino inalienável da alma, o qual é ascender.
Quanto ao Ar, ele detecta-se claramente reparando que Pessoa personificou a Humanidade na figura de
um pastor que usa o sopro (Ar) para tocar a sua flauta.
E por que terá escolhido Vasco da Gama para protagonista desta Ascensão?
Decerto porque ao poema correspondente ao signo regido pelo maior planeta do Sistema Solar, tinha de
corresponder aquele que é considerado o maior de todos os navegadores portugueses.
Embora esta analogia possua força suficiente para encerrar a análise deste poema, ainda há mais para
dizer. Vamos tentar expressá-lo através do verso agora mesmo criado com as primeiras e últimas palavras
de Ascensão...:
Os Deuses da tormenta (...) do argonauta.
Podemos perguntar: mas quem são estes deuses da tormenta do argonauta?
Talvez sejam aquelas entidades que presidem, guardam e preservam o manancial de informação assimilado
durante o período de formação da personalidade. Todavia, quem não experimentou ainda a desconfortável
experiência de verificar que muitos desses conceitos, ensinamentos ou directivas, afinal, pouco ou
nada têm a ver com a nossa natureza intrínseca e essencial? Não obstante, são esses os deuses a quem
oramos, enquanto os não percebemos como falsos. Quando – finalmente! - nos damos conta disso, encetase
então um longo e inquietante período de substituição desse valores (deuses) por aqueles que vamos percebendo
como intrinsecamente nossos, aqueles que, fruto da maturidade, só agora ascenderam à superfície
da consciência.
Nesse rol de conceitos, ensinamentos ou directivas que pouco ou nada têm a ver com a nossa natureza,
incluem-se os falsos moralismos, a “obscura e perigosíssima” sexualidade, a distorcida noção de individualidade,
a confusão entre independência e egoísmo, o equívoco que paira sobre os conceitos de piedade e
compaixão e, ainda mais, a enorme panóplia de preceitos éticos, religiosos políticos e sociais, etc.
Não queremos dizer com isto que todos esses ensinamentos sejam errados; o que pode acontecer é que
pouco ou nada tenham a ver com a natureza essencial da pessoa que os recebeu! Aplicamos praticamente
tais coisas porque no-las ensinaram e porque nunca nos demos ao trabalho de verificar se fazem sentido
para nós ou, melhor ainda, se nos alimentam ou desgastam. Ou seja, se são deuses que adoramos ou
demónios que rechaçamos!
Não é fácil o trabalho de descartar esta bagagem sem arriscar a ilegalidade judicial, a marginalidade
social, o isolamento fraternal, o ostracismo familiar ou a excomunhão religiosa. Mas é difícil, sobretudo porque
tudo isso funciona como apoio para a nossa insegurança interna!
Aprender a andar suportado apenas pela habilidade e firmeza das nossas pernas é uma tarefa gigantesca.
Por isso mesmo, amedronta! A prova está na frequente dificuldade e, em alguns casos, na recusa implacável,
de conquistarmos a nossa autonomia. Sabe-se lá por quê, teimamos em viver, estupidamente, sob o
jugo tirânico dessa espécie de imperialismo «educacional», cujas regras aprendemos de pais, professores,
educadores, catequistas, etc. Tudo isto em nome de quê? Em nome de uma moral que prega o crime e o
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castigo, o pecado e a redenção, com o objectivo de condicionar o nosso comportamento em relação àqueles
que nos rodeiam. Poderá ser uma armadilha. E, segundo parece, esta opinião não nasceu agora, neste
momento, aqui em frente deste computador. Fernando Pessoa, com toda a sua argúcia e veemência já sustentava
o seguinte:
- (...) De tal modo estão as coisas arranjadas por ela (a natureza) neste mundo que servir-se cada um a
si, completamente, energicamente e competentemente é ainda o melhor meio de servir os outros (...)
Portanto, quanto aos deuses que fazem a tormenta dos dias do argonauta (esse Peregrino que todos nós
somos!), só há uma coisa a fazer: apeá-los do panteão, convocá-los para a terra que pisamos e - baseados
na Força de Quem está acima de nós (e deles!) dizer-lhes que, de deuses como eles, está o inferno cheio!
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Poema X correspondente ao 10º signo, Capricórnio
X - Mar Portuguez
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem de passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
As duas estrofes deste magnífico texto encerram a essência de todo o capítulo central do livro Mensagem
– estes 12 poemas que temos vindo a analisar. De facto, “Mar Portuguez”, além de dar o nome ao capítulo
e de codificar a essência espiritual do «descobrimento individual», guarda ainda a essência dos Descobrimentos,
os quais, segundo Fernando Pessoa, foram divinamente encomendados aos portugueses. Neste
sentido, veja-se o que ele diz num te xto que intitulou Princípios de Metafísica Esotérica:
(...) qual a razão porque este trabalho sai primeiro em português (...)? Porque isso tem de ser assim,
dado o grande Destino oculto que Portugal tem de cumprir, continuando o que já cumpriu, aquele destino
que o Senhor da Ciência segredou ao Infante D. Henrique em Sagres, para que ele o pusesse em prática.
Neste ponto, convém lembrar que a essência de Capricórnio é, precisamente, a realização de uma obra
no cumprimento de uma vocação específica... segredada ou não pelas Altas Instâncias!
Estas duas estrofes são o exemplo acabado da polaridade Caranguejo/Capricórnio. Vejamos mais de
perto o primeiro pólo: sabemos que Caranguejo é o signo da mãe, do filho, da família e da pátria de origem.
E, se nos lembrarmos das suas «pinças», verificaremos que também gosta de agarrar, isto é, possuir. Além
disto, este signo pertence ao Elemento Água, o qual tem a ver com emoção, sensibilidade e, portanto, devoção,
lágrimas, choro, lamentação, etc. À luz destas palavras-chave, volte a ler a primeira estrofe e repare
como está embebida do 4º arquétipo do Zodíaco.
O segundo pólo é Capricórnio, signo do Elemento Terra e, portanto, do destino, da determinação, da
paciência, do paulatino vencimento das adversidades até que o cume da montanha seja atingido. Este é o
modelo da construção, da forma e da estrutura, as quais, espiritualmente falando, representam a construção,
a forma e a estrutura do Reino de Pai... ou da missão que Ele destinou, o que vem a dar no mesmo!
Acresce que Capricórnio é o arquétipo do medo, da dúvida, da falta de confiança e de fé. Por isso, Fernando
Pessoa começa por fazer uma pergunta capricorniana:
Valeu a pena?
Mas, logo de seguida, dá uma resposta magistral:
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Tudo vale a pena/Se a alma não é pequena.
Esta segunda estrofe contem a chave do processo de ascensão de um mero ser humano até atingir a o
reconhecimento da sua condição divina. O que se entende, porém, por essa metamorfose? Limita-se a ser o
sentido e o objectivo da vida de todos os seres humanos que já existiram, existem ou existirão neste planeta:
largar o lastro instintivo e animal, e alçar-se à condição de indivíduo, de criatura «individida», o que é
sinónimo de estar não separada da sua origem divina! Portanto, ao estar não-separada, há de estar «religada
» (do latim religare - religião). E, o que é mais, há de ter consciência dessa não-separação. Trata-se, ao
fim e ao cabo, de um processo alquímico que, não só durante a época medieval mas, também, ainda hoje
(embora em menor escala) era executada, no plano físico, através das sucessivas manipulações do chumbo
(por sinal, o metal de Saturno, regente de Capricórnio!) até se obter ouro (Sol, símbolo espiritual de iluminação!).
Mas nunca é demais recordar que as transformações «evolutivas» que se iam verificando na amálgama
material e física, levadas a cabo pelo alquimista, eram concomitantes com as transformações que iam
ocorrendo dentro dele. Obter-se o ouro físico era equivalente a atingir-se a iluminação. Se o manipulador
fosse um mero «trabalhador de retortas», nada feito!
É claro que, mais uma vez, esta verdade alquímica surge mascarada com a roupagem das navegações e
dos descobrimentos:
Quem quer passar além do Bojador
Tem de passar além da dor.
Por via indirecta, Fernando Pessoa fala, de novo, do medo, esse ex-libris capricorniano, dizendo, de uma
forma maravilhosamente poética, que as coisas não são só o que parecem ser: o medo e a coragem são,
apenas, as duas faces da mesma moeda:
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Enfim, quem quiser um (o céu), tem de afrontar o outro (o perigo/abismo), pois um e outro são a mesma
coisa, aliás como os taoístas andam há séculos a sustentar através do entrelaçamento gráfico do Yin e
do Yang.
Portanto, na primeira estrofe, temos uma espécie de lamentação de carácter íntimo e patriótico, de
quem ficou na praia cheio de saudades e a sofrer por quem partiu (Caranguejo); na segunda estrofe, reside
um elevado sentido realista de quem partiu (com o coração desfeito, porém indiferente à choradeira!), e que
foi bem sucedido porque sabia ser essa a sua obrigação e responsabilidade (Capricórnio).
Todavia, enquanto desafio de vida, enquanto desafio divino no sentido de que cada um enfrente o seu Mostrengo
(título do 4º poema/Caranguejo) e descubra o longe que tem dentro de si, tudo isto só faz sentido
para aquele cuja alma não é pequena! Esse, é o tal que, embora integrando, infelizmente, um grupo minoritário,
sabe e sente que Quem quer passar além do Bojador não tem outro remédio senão a passar além da
dor!
De facto, há que invocar o início do poema (Ó mar salgado) e colá-lo ao fim dele (espelhou o céu), para
ficarmos a saber, por experiência própria, ser aconselhável que o que está em baixo se decida - finalmente!
- a “espelhar” o que está em cima, porque a verdade é que o que está em baixo almeja o que está em cima.
Dificilmente poderá deixar de ser assim, na medida em que o que está em cima concede o que está em baixo,
já que o que está em cima é análogo ao que está em baixo. Enfim, o que está em cima e o que está em
baixo, limitam-se a ser dois aspectos da mesma coisa, apenas vibrando em registos diferentes, tal como os
infravermelhos e os ultravioletas são, ambos, vibrações extremas da escala cromática.
E, assim, de novo nos confrontamos com a questão das polaridades, essas manifestações separadas da
Unidade!
Por isso, Saturno, regente do signo correspondente a este Mar Portuguez, através da sua incomensurável
sabedoria, ensina que se vivemos o Alfa de uma área de vida através de frustrações, bloqueios, contrariedades
e sofrimentos, também temos a capacidade de poder vir a viver o Ómega dessa mesma área de vida
através duma mestria inultrapassável, cujos pilares são a serenidade, a maturidade e a segurança!
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Poema XI correspondente ao 11º signo, Aquário
XI - A Última Nau
Levando a bordo El-Rei D. Sebastião,
E erguendo, como um nome, alto o pendão
Do Império,
Foi-se a última nau, ao sol aziago
Erma, e entre os choros de ânsia e de pressago
Mistério.
Não voltou mais. A que ilha indescoberta
Aportou? Voltará da sorte incerta
Que teve?
Deus guarda o corpo e a forma do futuro,
Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro
E breve.
Ah! Quanto mais ao povo a alma falta,
Mais a minha alma atlântica se exalta
E entorna,
E em mim, num mar que não tem tempo ou 'spaço.
Vejo entre a cerração teu vulto baço
Que torna.
Não sei a hora, mas sei que há a hora,
Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora
Mistério.
Surges ao sol em mim, e a névoa finda:
A mesma, e trazes o pendão ainda
Do Império.
Neste poema, a figura central é um rei. Em nenhum outro texto deste conjunto isso se verifica, tal como
não se verifica em nenhum outro verso dos 12 poemas de “Mar Portuguez» a ocorrência de um termo tipicamente
aquariano - Deus guarda o corpo e a forma do futuro.
Ora, «rei» equivale a Leão, signo oposto a Aquário. Não se trata, porém, de um rei qualquer; é D.
Sebastião (1554/1578), nascido precisamente sob o signo de Aquário (20 de Janeiro), cuja personalidade
rebelde e controversa reflecte, perfeitamente, o seu arquétipo solar de nascimento.
E por que razão Pessoa encena aqui o desaparecimento de D. Sebastião, rei, símbolo do Sol?
Antes de tentar responder a esta pergunta, convém explicar um aspecto técnico da Astrologia:
Cada signo tem o seu regente. Quando, num horóscopo, o regente de um signo se encontra colocado
no signo oposto, diz-se que está em exílio ou exilado. Trata-se de uma situação em que a energia está «deslocada
», fora do contexto, «longe» do meio a que perte nce. Em decorrência disso, as suas características
não podem expressar-se plenamente. No que toca ao eixo Leão/Aquário, a energia em jogo é precisamente
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a do Sol, porque, ao reger Leão, está, portanto, exilada em Aquário! É por isso que Leão, dispondo do Sol
em regência, tende a brilhar para seu próprio gosto e proveito, enquanto que Aquário, recebendo o exílio do
Sol, tem um carácter mais associativo e fraternal, onde o ego não joga um papel tão preponderante. De facto,
a postura de Aquário é muito pouco «solar» porque as posições e interesses meramente pessoais
(Sol/Leão) «apagam-se» e colocam-se ao serviço fraternal da comunidade.
Por conseguinte, pode-se interpretar a decisão de D. Sebastião se envolver na aventura de Alcácer Quibir,
como uma situação onde as qualidades e atributos do rei estavam «exiladas». As consequências desta
decisão parecem ser o resultado de um Sol que passa para o oposto complementar: o Sol (rei), símbolo da
vontade pessoal, decide em função do colectivo (a expansão do império). Assim, este Sol afastou-se, arrefeceu,
apagou-se e... desapareceu! Convém estar ao serviço dos outros, mas, desta vez, a coisa correu mal.
Pessoa reconhece-o quando, na primeira estrofe, adjectiva de aziago o sol que iluminava a última nau no dia
da partida.
No entanto, existe uma passagem intrigante neste poema que só pode ser entendida se for iluminada
por uma outra luz, que não a das Descobertas: que razão leva Pessoa a considerar a nau onde embarcou de
D. Sebastião como a última, uma vez que as navegações portuguesas não acabaram ali?
A resposta não é nada fácil. Arrisco, no entanto, a seguinte interpretação: o 11º signo, Aquário, é o
último antes da dissolução final (Peixes). Assim, Aquário pode ser entendido como a última oportunidade de
iluminação antes do acto de desencarnar. Dito de outra forma, o Sol, por estar em exílio, longe do seu «trono
» em Leão, tem como atribuição fundamental reconhecer-se como uma luz que não foi criada pelo ego,
mas sim pelo Pai. A partir dessa constatação, restam-lhe poucas opções, sendo que a mais recomendada
será transformar-se na Luz da fraternidade e, a seguir, fundir-se com o Todo!
No caso da evolução espiritual do poeta parece ter ocorrido isso mesmo, já que, na última estrofe, diz:
Surges ao sol em mim, e a névoa finda.
Ou seja, ao desaparecer a confusão que caracteriza quem ainda está preso às ilusões do mundo, tudo
fica claro. Trata-se, evidentemente, de uma questão particular, alquímica, que só ao manipulador diz
respeito. Tanto assim é que, inesperadamente, Pessoa põe o verbo na primeira pessoa, como se enaltecesse
o que D. Sebastião representa: aquilo que há de voltar numa manhã de nevoeiro (símbolo da confusão
que grassa no coração dos homens), para finalmente despertar, dentro de cada peito, a Luz do Pai!
E acrescenta, reforçando - A mesma, e trazes o pendão ainda / Do Império.
É, decerto, uma referência ao V Império, o Reino do Espírito Santo, ou seja o último ‘argumento’ do Pai,
que volta para fazer valer a Mensagem de Cristo (o Filho).
A palavra ainda é importantíssima aqui, na medida em que parece destacar a fidelidade do Espírito Santo:
apesar da longa espera e da tolerância sobre a loucura dos homens, apesar disso, ainda porta o pendão
supremo do Império!
Quanto à resposta à segunda questão levantada acima, é claro que, para o que Pessoa pretendia dizer, o
local geográfico de chegada do rei não interessa para nada. Ilha ou continente, tanto faz. O poeta novamente
se serve de um episódio da história portuguesa para abordar uma questão mais transcendente. Ele sabe
que, no que toca ao seu percurso espiritual, pessoalmente, está prestes a fazer uma grande iniciação E,
apesar de viver numa sociedade maioritariamente composta por gente “adormecida”, está confiante. Por
isso diz - Ah! Quanto mais ao povo a alma falta, / Mais a minha alma atlântica se exalta / E entorna...
É por causa desta devoção que o poema final desta série (correspondente ao signo que fecha o Zodíaco -
o devocional Peixes), se chama Prece!
Convidamos agora o leitor a tentar fazer um verso com as primeiras e as últimas palavras deste poema.
Seja qual for a combinação tentada, nenhuma faz sentido suficiente... tal como não faz muito sentido o episódio
histórico que esta Última Nau aborda.
É estranho que assim seja?
Talvez! Mas esta excepção à regra não haverá de causar admiração. Estamos navegando nos reinos de
Aquário e do seu surpreendente, imprevisível e, fundamentalmente, excepcional Urano!
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Poema XII correspondente ao 12º signo, Peixes
XII - Prece
(31 de Dezembro de 1921 – 1 de Janeiro de 1922)
Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.
Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.
Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia -
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistemos a Distância -
Do mar ou outra, mas que seja nossa!
O paralelismo deste último poema com o último signo zodiacal, começa logo no título. Prece é sinónimo
de oração, o que pressupõe ligação, reverência e reconhecimento do plano divino ou, no mínimo, uma
ânsia de contacto com ele. Essa é a «atitude» do arquétipo pisciano. Realmente, Peixes passa a maior parte
da vida com «saudades do divino», sendo por isso que lhe é difícil lidar com o materialismo, a fealdade e a
violência do plano terreno. Por isso, tende a retirar-se para o claustro, para o mosteiro, convento ou só para
dentro de si mesmo para reatar os laços que o ligam às dimensões transcendentes.
Porém, se a espiritualidade ainda estiver adormecida, essa fuga do mundo poderá ocorrer através de
tácticas de evasão e escapismo (ilusões, irrealismo, fantasias, drogas, etc.), ou por via da doença. Torna-se,
então, num ser desamparado onde, muitas vezes, impera a chantagem emocional e a autopiedade.
Portanto, é razoável começar o poema com uma invocação da divindade:
Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Este poema tem três estrofes e cada uma delas refere os três patamares do Tempo: a primeira estrofe
aborda o Passado - Senhor, a noite veio e a alma é vil/Tanta foi a tormenta e a vontade!
Todavia, a forma como decorreram as coisas no passado condiciona a forma como estamos no Presente
- Restam-nos hoje, no silêncio hostil/O mar universal e a saudade.
Mas como a segunda estrofe remete para a vivência do Presente, é claro que a esperança não pode
morrer. Por isso, constata-se objectivamente - Mas a chama, que a vida em nós criou/Se ainda há vida ainda
não é finda.
Nem jamais poderá sê-lo!
Nesta segunda estrofe, Pessoa volta a referir o Divino como essência do Presente - O frio morto em cinzas
a ocultou:/A mão do vento pode erguê-la ainda.
Esta constatação introduz a terceira estrofe onde se fala do Futuro. Aqui encontramos aquela evidência
(Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia -/Com que a chama do esforço se remoça) que abre as portas
para futuras realizações e gera a determinação para percorrer outro plano da espiral evolutiva - E outra vez
conquistemos a Distância/Do mar ou outra, mas que seja nossa!
Estas três estrofes também referem claramente aos quatro Elementos.
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Releia-se a primeira estrofe (Passado) deste poema correspondente a um signo de Água (Peixes), e
notra-se –á que refere, é claro, este Elemento. Porém, como a Terra é harmónica com a Água (a Terra confina,
segura e dá forma à Água, enquanto a Água, fertiliza, embebe e amacia a Terra), reconhecemos a Terra
em:
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
A associação de tormento e hostil com a Terra fica mais clara sabendo que este Elemento representa os
«tormentos» inerentes à densificação máxima da energia (materialização), bem como a «hostilidade» dos
desafios inerentes a essa situação.
A segunda estrofe (Presente) contém a referência aos outros dois Elementos (Fogo e Ar), cuja acção
centrífuga tende a dirigir a energia para fora e para cima. Também eles são naturalmente harmónicos entre
si, já que o Fogo aquece e faz movimentar o Ar, e o Ar atiça e vivifica o Fogo.
O terceiro verso desta segunda estrofe (O frio morto em cinzas a ocultou), refere particularmente a
ausência deles: Frio e cinzas para o Fogo; morto para o Ar.
Se o leitor estranhar a associação do Ar com morto, experimente deixar de respirar por uns minutos!
Finalmente, como se de um crescendo se tratasse, a terceira estrofe do poema (Futuro), refere os quatro
Elementos, associados na sua relação harmónica (Ar/Fogo e Terra/Água). Nos dois versos iniciais reconhecem-
se o Ar e o Fogo:
Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia -
Com que a chama do esforço se remoça,
Nos dois versos finais ressalta o poder da Terra e a posse da Água:
E outra vez conquistemos a Distância -
Do mar ou outra, mas que seja nossa!
Resta acrescentar uma curiosidade final (diria sincronicidade!) que tem a ver com esta questão da passagem
de um ciclo para outro, de um estado para outro que caracteriza a iniciação espiritual - a qual teve uma
presença persistente ao longo deste trabalho. Trata-se da circunstância de Prece ter sido escrito na passagem
do dia 31 de Dezembro de 1921 para o dia 1 de Janeiro de 1922!
Novo ano, vida nova!
Encetar uma vida nova, aqui, significa repescar o início e o fecho de Prece para pedir:
Senhor (...) que seja nossa a Tua vontade!
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cremos ter ficado claro o facto de este conjunto de poemas referir-se a outro tipo de viagens, que não só
aquelas que os navegadores portugueses empreenderam por “mares nunca antes navegados”.
Enquanto seres espirituais em evolução, cada um de nós encarna periodicamente neste planeta para que,
enquanto Infante, possa empreender uma expedição aos seus mares internos, desconhecidos e amedrontadores,
onde reina um Mostrengo que adora agigantar-se, mas cuja descoberta e conhecimento garante uma
Ascensão.
E porque não importa o que, por ter sido transcendido, ficou para trás, sente-se um impulso de lavrar um
Epitáfio em sua homenagem e lembrança.
Internamente, o Peregrino que existe em cada um de nós, deve afrontar um novo Horizonte navegando
para Ocidente e, com orgulho, plantar um Padrão em cada novo território que vai desvelando. Um dia, inevitavelmente,
construirá, aparelhará e embarcará na sua Última Nau. E, quando estiver à beira do fim do seu
tempo, decerto vai querer encomendar-se a Deus através de uma Prece. Depois, desejará desencarnar em
paz e tranquilidade para que possa renascer num tempo e locais propícios.
Trata-se um empreendimento solitário. Não há Colombos que nos valham!
Ao fim e ao cabo, ambas as viagens, quer as empreendidas ao mundo da matéria sólida e líquida (Terra
e Água), quer as realizadas ao mundo da matéria subtil da vontade e da mente (Fogo e Ar) - as quais duram
o tempo necessário para conhecermos os segredos de manifestação máxima dos 12 arquétipos zodiacais -
simbolizam a semente (I) e o fruto (XII) da Evolução:
(I): Deus quer, o homem sonha, a obra nasce
(XII): ... conquistemos a Distância -
Do mar ou outra, mas que seja nossa!
Por isso, escolhemos para epígrafe deste pequeno (mas gostoso!) trabalho, dois versos de Pessoa, os
quais, por nos parecer oportuno, relembramos aqui:
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!
Vitorino de Sousa
Cascais, de Maio a Julho de 1998
Cascais, Outubro/Novembro de 2001